Logo Folha de Pernambuco
Baco & Cia.

Châteauneuf-du-Pape

Penso que até mesmo o mais empedernido dos abstêmios já ouviu falar deste vinho. Além do nome pomposo, a alusão ao papa lhe confere uma aura de alto simbolismo. E o que um vinho francês, produzido na região do Rhône Sul, na Provence, tem a ver com o papa? Você deve saber da história dos papas de Avignon, leitor. Não se lembra bem? Permita-me reavivar sua memória. Por conta de uma forte disputa de poder político e fiscal entre o papa Bonifácio VIII e Filipe IV, o belo, o rei francês, por meio de manobras escusas, conseguiu emplacar o arcebispo de Bordeaux como papa Clemente V. Que, sob pressão, terminou por transferir a sede da Igreja Católica para Avignon, no ano de 1309.

Lá se sucederam nove papas, até que Gregório XI, em 1377, retornou com a corte papal para Roma, acabando oficialmente com o papado de Avignon. Só oficialmente, pois o imbróglio não terminou por aí. Instaurou-se o Grande Cisma do Ocidente, quando, durante 40 anos, papas conviveram com a figura de antipapas. Mas esta é uma história comprida, que não cabe aqui.

Essa região certamente já cultivava uvas viníferas na época galo-romana, porém o primeiro escrito sobre o assunto data de 1157. Os Templários, no século XIII, mantiveram a produção, que foi subsequentemente negligenciada. Voltou com todo vigor com o papa João XXII, o segundo da “dinastia” de Avignon. Consta, todavia, que o vinho preferido de Suas Santidades era o de Beaune, cidade borgonhesa, a poucos quilômetros dali.

Não posso criticá-los, amigo! Châteauneuf-du-Pape reporta-se ao castelo de verão dos papas – hoje apenas ruínas – situado em uma pequena vila próxima de Avignon, que recebe o mesmo nome. Além dela, o vinho pode ser produzido em outras quatro comunas vizinhas: Courthézon, Sorgues, Bédarrides e Orange. Seu solo recoberto por seixos aparenta ser inóspito para cultivo de uvas, mas de fato esconde boas áreas de plantio. Primeiros vinhateiros em seu país a estabelecer regras estritas de produção, fruto do empenho de Baron Le Roy (do Château Fortia), foram reconhecidos como “appelation” em 1929 e AOC em 1936, a primeira da França.

Foram também precursores na exportação de vinhos em garrafas, em uma época (século XVII) onde reinavam os barris. Embora seja famosa por seus tintos, também elabora, em bem menor escala (6% do total), brancos, florais e aromáticos, com potencial de envelhecimento. O tinto tem uma característica marcante: é produzido com até 13 castas (ou 18, se levarmos em conta as variantes de cor da mesma casta), tanto tintas quanto brancas. No corte predomina a Grenache, geralmente misturada a Syrah, Mourvèdre, um pouco de Cinsault, Counoise, e toques de Bourboulenc, Roussanne, entre outras. Há hoje em dia uma tendência de fazer o corte com menos castas.

Trata-se de um tinto possante, tânico, atualmente com teor alcoólico acima de 14,5%, que pode, e deve, envelhecer muitos anos em garrafa. A qual, no caso dos clássicos produtores, ostenta no vidro um alto relevo armorial com a inscrição “Châteauneuf-du-Pape controlé”, em letras góticas, envolvendo o símbolo de uma tiara papal sobre as chaves de São Pedro. Cerca de 320 “châteaux” e “domaines” tem autorização para produzir Châteauneuf-du-Pape. Segundo Hugh Johnson, desses, 35% são bons e os demais inconsistentes. Portanto, procure boas referências do produtor. E hoje, acompanhando o artigo, com uma taça, faça reverência ao novo papa Leão XIV. Tim, tim, brinde a ele e à vida.

Newsletter