A-A+Ana Claudia BrandãoDireito e SaúdeRobôs no hospital: inovação ou ameaça à humanidade no cuidado com a saúde? Em abril de 2025, a China inaugurou o Agent Hospital, o primeiro hospital do mundo totalmente operado por inteligência artificial (IA). Desenvolvido pela Universidade Tsinghua, em Pequim, o hospital conta com 14 médicos e 4 enfermeiros virtuais, todos alimentados por IA generativa. Esses agentes são capazes de realizar todo o processo de atendimento, desde a consulta inicial até o acompanhamento pós-tratamento, com uma taxa de precisão de 93,06% em diagnósticos de doenças respiratórias, superando muitos padrões de desempenho humano. A eficiência do Agent Hospital é notável: ele pode atender até 3.000 pacientes por dia, algo que levaria anos para médicos humanos alcançarem. Além disso, o hospital pode realizar cirurgias minimamente invasivas, istrar medicamentos, aplicar vacinas e até oferecer sessões de psicoterapia baseadas em linguagem natural, com empatia simulada. No entanto, essa inovação levanta questões importantes sobre a desumanização da medicina. O atendimento médico é, antes de tudo, uma relação humana. A escuta atenta, o olhar comivo, a mão que toca, o silêncio que acolhe — esses elementos não constam nos manuais de programação. A presença do médico ao lado do paciente em momentos de dor, medo e fragilidade tem valor terapêutico e psicológico incontornável. Retirar esse contato, substituindo-o por uma voz robótica ou por respostas automatizadas, pode agravar o sofrimento e comprometer a confiança no cuidado. Sob a perspectiva bioética, a automação da medicina exige reflexão à luz dos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Um algoritmo pode ser eficaz, mas está apto a considerar contextos sociais, emocionais e espirituais do paciente? Está habilitado a ouvir as angústias de um diagnóstico terminal? A autonomia do paciente, por exemplo, só pode ser plenamente exercida quando ele é compreendido em sua integralidade — algo que a tecnologia, por mais avançada, ainda não é capaz de alcançar. No campo do Direito, a atuação dos robôs na medicina também suscita questionamentos sobre a responsabilidade civil. Em caso de erro no diagnóstico, falha no procedimento ou prescrição indevida, quem responde? O médico que supervisiona a máquina, o hospital que a adquiriu, o programador do algoritmo? A jurisprudência ainda engatinha nessa seara, mas é certo que a utilização dessas ferramentas não exime os profissionais e as instituições de saúde de sua obrigação de cuidado, zelo e vigilância. A tendência será de aumento da responsabilidade objetiva das empresas e hospitais que optam por incorporar tecnologias em substituição ao julgamento humano. No Brasil, um caso emblemático ocorreu em 2019, quando a 4ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis/SC julgou um processo envolvendo um paciente submetido a uma cirurgia robótica. O paciente alegou ter sofrido danos devido à falta de esterilização dos instrumentos utilizados pelo robô. Apesar de o hospital apresentar etiquetas de esterilização e relatórios de controle de qualidade, o juiz entendeu que isso não era suficiente para afastar a responsabilidade objetiva do hospital, conforme previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nos Estados Unidos, o sistema cirúrgico robótico da Vinci, desenvolvido pela empresa Intuitive Surgical, também esteve no centro de diversas ações judiciais. Em 2014, a empresa reservou US$ 67 milhões para acordos relacionados a cerca de 3.000 processos que alegavam complicações como queimaduras internas, lesões em órgãos e até mortes atribuídas a falhas no equipamento ou uso inadequado. Um caso notório envolveu Sandra Sultzer, que faleceu após sofrer queimaduras internas durante uma cirurgia de câncer de cólon realizada com o robô da Vinci. Seu marido processou a fabricante, alegando falhas de design e treinamento inadequado dos profissionais. (drugwatch.com) Nesse contexto, é importante destacar que a Resolução CFM nº 2.311/2022, do Conselho Federal de Medicina, regulamenta a prática da cirurgia robótica no Brasil. A norma estabelece critérios para a formação dos profissionais, requisitos técnicos e operacionais das instituições de saúde e obrigações éticas que assegurem a segurança do paciente. De acordo com a resolução, a cirurgia robótica deve ser sempre conduzida por médico capacitado, com responsabilidade plena sobre o procedimento, não se itindo sua delegação a softwares ou sistemas autônomos. A regulamentação reforça que a tecnologia é ferramenta auxiliar, e não substitutiva da atuação médica. Essa diretriz legal e ética é essencial para que o avanço técnico não se sobreponha à proteção da vida e da dignidade humana. Há, claro, vantagens evidentes no uso de tecnologias de apoio à decisão clínica e cirurgias assistidas por robôs — mas como ferramentas complementares, e não como substitutos do saber e do sentir humanos. O que está em jogo não é apenas a eficiência, mas o sentido da medicina como arte de cuidar. Entramos, assim, em uma nova era: a era em que o ser humano enfermo, no momento de sua maior vulnerabilidade, precisa ser acolhido por outro ser humano — e não apenas por uma máquina. Não se trata de renegar o futuro, mas de garantir que ele seja construído com responsabilidade, ética e, acima de tudo, humanidade. Reportar Erro window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({ mode: 'alternating-thumbnails-a', container: 'taboola-below-article-thumbnails', placement: 'Below Article Thumbnails', target_type: 'mix' }); Newsletter