O cinema e a mesa
Foi mais um Oscar. Mas dessa vez foi diferente. Ganhamos a nossa primeira estatueta, como melhor filme estrangeiro. E Fernanda Torres virou a “estrela de uma nação”, segundo Cora Ronai (O Globo, 6 de março). Foi boneco gigante em Olinda, foi show de drone na Bahia, seu rosto virou máscara de carnaval – milhares de Fernandas por todo o país. Uma verdadeira consagração. “Reconhecida, amada e irada portodos”. Eunice Paiva e ela. ado e presente. É que “o cinema não tem ado nem futuro”, segundo Vinícius de Moraes – que foi, por mais de três décadas, crítico, roteirista, ator e produtor. Sem esquecer as muitas trilhas sonoras que criou.
Como o cinema celebra a própria vida, seria mesmo natural que nele tivesse destaque o ritual da mesa. Não por acaso os irmãos Lumière (Auguste e Louis) escolheram o Salão Indiano do Grand Café, no Boulevard des Capucines (Paris), para exibição da primeira sessão de cinema (em 28 de dezembro de 1895). Eram 35 pessoas que pagaram ingresso para ver uma sequência de imagens em movimento. Com um projetor que é, basicamente, o mesmo utilizado ainda hoje. “Este aparelho é um grande segredo e eu não quero vende- lo; ele talvez não tenha futuro” – disse Antoine, pai dos irmãos Lumière. Estava completamente enganado. Ainda bem.
A partir de então, gastronomia e cinema nunca mais se separaram. O grande diretor Martin Scorsese até disse: “A inspiração que é preciso para cozinhar bem, assim como a criatividade e o poder de improvisar, é muito semelhante ao que se usa para fazer um filme”. E algumas cenas acabaram mesmo imortais. Buster Keaton, como garçom de um restaurante, tentando ensinar cliente a comer espaguete (O Cozinheiro,1918). Charles Chaplin provando sopa e milho, em máquina que não parava de girar (Tempos Modernos, 1936), na primeira grande sátira a uma globalização ainda insipiente. Audrey Hepburn esbanjando elegância ao degustar um prosaico sanduíche, no meio da rua (Bonequinha de Luxo, 1961).
Elizabeth Taylor comendo uvas, sensualmente, para seduzir Richard Burton – que na vida real acabou seu marido, depois desse filme (Cleópatra, 1963). Catherine Deneuve com marrrons glacês e sua classe inimitável (Tristana, 1970). Fernanda Torres preparando um suflê (Ainda estou aqui, 2024). Sem contar filmes que são, eles próprios, uma epifanía da mesa – A Comilança (1973), Tampopo (1986), A Festa de Babette (1987), Como Água para Chocolate (1993), Comer, Beber, Viver (1994), O Jantar (1998), O Amor Está na Mesa (1998), Chocolate (2000), Vatel (2000), O Tempero da Vida (2003), Ratatouille (2007), Julie & Julia (2009), Comer, Rezar, Amar (2010), e tantos outros.
Sem esquecer que pipoca e cinema formam um par perfeito. Indissolúvel. Eterno. Tudo começou quando a primeira máquina portátil de fazer pipoca foi inventada, nos Estados Unidos. Onde havia aglomeração de gente, havia vendedores de pipoca. Com a ascensão da sétima arte, os vendedores, em busca de mais um mercado, aram a estacionar seus carrinhos nas portas dos estabelecimentos (início dos anos 1910). Em 1925, o americano Charles Manley criou a primeira máquina elétrica de fazer pipoca. E os cinemas logo instalaram essas máquinas no hall de entrada. As vendas pipocaram. A partir dos anos 1950, os lucros com a venda de pipoca ultraaram o da venda de ingressos. E o negócio anda bem até hoje. Um casamento que deu certo.