A Globalização da Indiferença
O Legado da "Economia de Francisco": O Último Líder a Pensar e Propor o Desenvolvimento Sustentável
Minhas melhores lembranças argentinas, já não estão mais numa latinidade latente, que há muitos anos tenho comigo. Não são ainda dependentes dos versos estilosos de Belchior, quando meu sangue latino prefere "um tango, em vez de um blues". Nem muito menos pelas lembranças gastronômicas de chorizos, empanadas ou medialunas, que tão bem podem ser acompanhadas de uma Quilmes gelada ou um saboroso Malbec, entre La Boca e San Telmo. Depois do pontificado de Francisco, a maior recordação portenha que se alojará em mim, certamente, será o cidadão Jorge Bergoglio - o humanista. Justo quem deu essência ao Papa.
Direta e objetivamente, digo que a perda de Francisco me causou duplo impacto, ao vê-lo pelas lentes do humanismo. O primeiro, pela sua sólida formação científica, que jamais se curvou às ondas do obscurantismo, hoje comuns neste mundo rendido ao retrocesso. O segundo, pelo fim da missão de um estadista, que foi o último líder das causas inclusivas e sustentáveis.
Para ter em mente esse diferencial, Francisco exerceu um humanismo teórico e pragmático, de modo generalista. A grandeza de suas opiniões religiosas, filosóficas, sociológicas e até econômicas, retrata seu papel de ser diferenciado. De quem foi o último dos líderes e estadistas, num contexto mundial de carência de nomes dessa estirpe. Ninguém, como ele, esteve tão em sintonia com a realidade. Alguém que, dessa sua formação humana, repetiu nos gestos e atitudes que lhe cabiam como simbolo maior do Vaticano, a mesma postura pastoral que exerceu pelas ruas periféricas de Buenos Aires.
Justo por conta dele validar tanta simplicidade nos temas atuais, que Francisco pode ser firme, no seu modo de pensar e agir como "homo susteneri". Ou seja, sua defesa por valores sustentáveis, traduzida em sínodos e encíclicas, compõe conteúdos de enorme qualidade científica, que merecem ser revistos. Disso, extraio o sentido do que seja chamado de "Economia de Francisco", além dessa afirmação de marcante significado, que está por trás da expressão "Globalização da Indiferença'.
Para dar consistência à revisão de modelis de desenvolvimento, Francisco se apoiou em conselhos econômicos competentes. A encíclica que trata do futuro ambiental da Amazônia, por exemplo, contou com orientações de Jeffrey Sachs. Assim, ao tratar da sustentabilidade naquilo que entendia como vital, para um novo padrão de desenvolvimento, aflorou nele um senso de justiça social, pela defesa de economias sustentáveis, com inclusão social e respeito às questões ambientais. Aqui, a essência da chamada "Economia de Francisco".
O outro ponto fortalece a percepção de se construir um mundo pelo olhar do humanismo. Aproveitando-se do conceito de integração, independente dos resultados nas trocas comerciais, Francisco deu outra roupagem para a globalização. Não no sentido de tratá-la com os exageros ideológicos de negacionistas. Na verdade, pelo sentido amplo de constatar a expansão das desigualdades, com traços segregacionistas. Uma ordem socioeconômica que, nos seus atos preconceituosos, deixa na irrelevância as minorias. Manter-se indiferente à tal questão, era uma situação diante da qual Francisco soube combater, na sua vida missionária. .
Os humanistas estão órfãos. Foi-se o último líder, deste mundo sem estadistas. O legado de Francisco está posto. O difícil é saber quem terá a missão de assumi-lo e seguir adiante. Com igual competência.