A transparência de Marianne Peretti
Arquitetura é testemunho de época. De culturas
Arquitetura é testemunho de época. De culturas. Lembro do Coliseu romano. Do Partenon grego. Exemplares representativos da história na arquitetura são sólidos, concretos.
Mas, quando a gente encontra vitrais na arquitetura, cresce a sensação de leveza. De transcendência. De beleza. O vitral vem do gótico. De igrejas sas, alemães, italianas. Sua origem, portanto, é religiosa. E pré-moderna.
O vitral fez voo previsível. E veio aterrissar modernamente em Brasília. A capital brasileira, às vezes, é apontada como exemplo de concretude. Embora atenuada pelas curvas femininas do traço de Oscar Niemeyer. Mas, imagine Brasília sem os vitrais ?
Os vitrais brasilienses são uma invenção genial de Marianne Peretti (1917-2022). Uma pernambucana nascida na França. Com inspiração tropical. Ela era artista regional. Até conhecer Niemeyer. E foi ele que a convenceu a trabalharem juntos. A única mulher do time do mineiro.
Morei em Brasília duas vezes. Tive a chance de irar a arquitetura da cidade. E de me envolver emocionalmente com a estética dos vitrais de Marianne. Não todos. Mas o suficiente para me orgulhar do tom pernambucanamente brasileiro. Eu tinha uma visão de Brasília antes dos vitrais de Marianne. E ganhei outra, mais solar, mais transparente, mais sensível, depois dos vitrais de Peretti.
Marianne Peretti transforma as pessoas. Tornando-as mais humanas. Em Brasília, especialmente, por causa da volumetria (mesmo algo feminina) da cidade. Porque os vitrais dão transparência à realidade. Conferem equilíbrio às formas. Garantem integração entre vida e sonho.
Vitrais, em Marianne Peretti, são ousadia. Algumas vezes, eu entrei na Catedral de Brasília para simplesmente apreciar seus 16 vitrais, de 30 metros de altura, cada um. E terminava sempre rezando.
No Memorial JK, o vitral de Marianne é uma chama evocativa, que incendeia a lembrança. E enternece a memória. Algumas pessoas choram. Porque é uma peça suspensa, de intenso colorido, misturando roxo e vermelho.
No salão negro do Senado Federal, o vitral, chamado Alumbramento, é um convite claro e aberto à liberdade. E, por sua configuração geométrica ampla, um chamamento definitivo à vocação democrática do povo brasileiro.
No Teatro Nacional, está o Pássaro de Fogo. No salão verde da Câmara dos Deputados, encontra-se o vitral Araguaia. No Tribunal de Justiça, está a Mão de Deus.
Estou convencido que uma civilização se torna respeitada e irada por dois conceitos: arte e democracia. A arte é a expressão mais fina e sofisticada de uma sociedade. Arte erudita e arte popular. E a democracia é o modo por meio do qual se demonstra respeito ao outro. Por meio do voto.
Como disse Joaquim Cardozo: “Este ser que se compõe de adjacências, e de um cimento claro e matinal, tem nos seus nervos finos transparências, de luz se alimenta, fala cristal”.