Conversas de sábado
Dia de flanar, como Baudelaire. De ear na margem do Capibaribe
Sábados são presentes de Deus. Principalmente quando chegam pintados de azul. Trazendo um amarelo sol armorial. Dia de flanar, como Baudelaire. De ear na margem do Capibaribe. Observando os antes: os apressados, os tranquilos, os bebês. E a paisagem: os tons de verde, o piar de pássaros, o cheiro de terra molhada.
Sábado também é dia de feijoada, ou de churrasco, ou de peixada pernambucana. Ao gosto. Saberes e sabores. Pois a mesa é um dos requisitos da vida. Não pela quantidade. Pela qualidade. Nisso os ses dão lição. Porções menores. Mas refinadas. Eles dizem que cozinha se faz com manteiga. E um tinto. Bordeaux. Ou branco. Da Champanhe.
Sábado será igualmente uma escolha aleatória. Um ar de olhos nos CDs. Ouvir, outra vez, o sax de Stan Getz. Tocando Yesterdays. Um olhar nos livros. E, de repente, redescobrir Paulo Mendes Campos falando sobre Vinícius de Moraes. Edição de 2000, de uma empresa de engenharia, ofertada como brinde. Que comprei num sebo. Título: Murais de Vinicius e outros perfis. Começa com uma receita para quem tem saudade de Vinicius. Assim:
“É preciso que haja uma saudade inesperada. Amigos, amigos, amigos. Talvez quando for sábado. Que circulem pela sala, além de mulheres, as sombras de Zé Lins do Rego, Jayme Ovalle, Carmen Miranda, Candinho Portinari, Ari Barroso, tantos... É preciso lua. E que se recorte na vidraça os galhos de uma jaboticabeira. Discos negros também: Bessie Smith, Louis Armstrong, Sidney Bechet. Pixinguinha nem se fale. Bom humor é pertinente”.
Noutro trecho:
“Existirá na língua portuguesa outra fascinação global pela mulher? Uma noite, em Los Angeles, Vinicius conversava com Carmen Miranda num party em Hollywood. Uma porta se abriu e fez entrar aquela garota. Tão linda, tão linda, que era como tudo fosse sumir diante dele. E sumiu. Aproximou-se de Carmen: “Hey, Carmen, I think you’re wonderful.” E, olhando para Vinicius, perguntou: “Who are you?”. Nosso homem declinou a condição de servidor diplomático da pátria. Ela debruçou-se, chegou o rosto a um centímetro do rosto do vate, indagou se era bonita e afastou-se. O poeta perguntou a Carmen: “Quem é?”. Resposta: “Uma atriz nova chamada Ava Gardner”.
Mais adiante, Paulo Mendes Campos recorda encontro num hotel no centro do Rio. Assim:
“Em dezembro de 1949, foi inaugurado o Juca’s Bar, na rua Senador Dantas: era o alívio do ar refrigerado que nos chegava. Lá se instalaram rapidamente os assessores do presidente Juscelino, os irmãos Condé, os irmãos Chaves, que atraíam os nordestinos itinerantes. Olívio Montenegro e Gilberto Freyre costumavam dar as caras. Era uma mistura sensacional e estimulante. Ali, todos os setores tinham suas embaixadas: arquitetura, Carlos Leão; futebol, Zé Lins do Rego; pintura, Di Cavalcanti; beleza, Tônia Carrero; samba, Aracy de Almeida; humorismo, Sérgio Porto; jazz, Lúcio Rangel. Rubem Braga representava a prosa e Vinícius de Moraes, o verso.”.
Numa conversa com Jayme Ovalle, grande contador de histórias, Paulo Mendes Campos e Vinicius ouviram esta:
“O escritor argentino, Ricardo Guiraldes, autor de Dom Segundo Sombra, estava para morrer. Sentindo o fim próximo, pediu um pouco de uísque. Explicou aos que lhe cercavam o leito: “Ahora hay que hablar com Dios”.