Tempos agostinianos
Celebração de oitenta anos de liberação do sítio pelas tropas aliadas
"Para enfrentar o mal absoluto é preciso empregar a fraternidade".
André Malraux
Campo de Auschwitz. 27 de janeiro de 2025. Celebração de oitenta anos de liberação do sítio pelas tropas aliadas. Cinquenta sobreviventes, resilientes, crédulos. Firmes na sua própria obstinação. Duas realezas, presidentes da República, primeiros-ministros. Ausentes: Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu. Uma cerimônia tocante. Pela mescla de emoções. Dominando o espírito dos que a ela assistiam. Pelo simbolismo vivo. Pela lembrança gravada em carne e pedra. Pelos limites e possibilidades do valioso barro humano.
Santo Agostinho disse que, a cada tempo existencial, é possível detectar um sentir presente: o sentir presente no tempo ado, que está na memória; o sentir presente no tempo presente, que está na percepção do real; e o sentir presente no tempo futuro, que está na esperança. Nessa era certa, de destinos incertos, é urgente viver esses sentimentos. Presentes. Convocar a memória. Enfrentar o real. E assumir a esperança. A memória será recurso. A esperança será bússola. E o mundo real, nossa tarefa.
A plutocracia começou a agir. O presidente Trump disse que o Egito e a Jordânia deveriam receber os palestinos nos seus territórios. De modo que fosse possível "limpar aquilo lá". Ao mesmo tempo, Elon Musk, bilionário e, agora, também seu assessor, surgiu na tela da convenção do Partido de ultradireita alemão. Para defender a naturalização do ideário nazista. Este talvez seja o aspecto mais sensível da batalha que se desenrola na política mundial. Porque significa absorver o inabsorvível.
Do outro lado, o darwinismo social se debate nos escombros de Gaza. E no retorno dos deportados. Não há misericórdia. Não há compaixão. Só solidão. Dos abandonados e esquecidos. Humilhados e ofendidos. Que, pairando na esquina do desabrigo, tornam-se alvo fácil do extremismo. Porque sem uma mão lúcida a ampará-los. Sem um gesto generoso a apoiá-los. Apenas o céu e a fímbria do azul que os protege.
A revanche de Netanyahu é um autoengano. Com consequências previstas. Ele buscou livrar-se do dilema moral que incluía o perdão. Mas, que não significava mero ato gratuito a quem atacou tão covardemente o povo judeu. Não. Não se trata de exercer o benefício edificante de gesto franco. Trata-se de trabalhar com uma estratégia sadia (porque sem ódio) e eficaz (porque definitiva). Destruir não é solucionar. É prorrogar o conflito. Como estamos vendo. Há cinco décadas. Mais inteligente teria sido Israel formular um projeto de parceria obreira com os palestinos. Em torno de um projeto político de desenvolvimento associando capitais e esforços multilaterais.
A revanche fortalece o projeto neonazista que se esgueira no sétimo círculo do inferno de Dante.