“Black Mirror” desacelera o pânico tecnológico e aposta no drama para seguir relevante
Em 6 episódios, nova temporada se apoia em histórias de amor, culpa e memória
A sétima temporada de “Black Mirror” não quer mais ser um soco no estômago e, para uma parcela do público, seja justamente aí que ela pode acertar. Longe do frenesi apocalíptico das primeiras temporadas, a nova leva de episódios caminha em um ritmo menos urgente e mais contemplativo.
Ainda há tecnologia distópica, sim, mas também há espaço para memórias, sentimentos e uma vontade clara de experimentar outras rotas. Charlie Brooker parece saber que não precisa mais gritar para ser ouvido e, mesmo sem reinventar a roda, encontra momentos sinceros de potência.
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São seis novos episódios que dialogam com diferentes tons e intenções. Há espaço para a crítica ácida, para o romance digital, para a memória afetiva e até para o metacomentário sobre a própria série e as plataformas de streaming. Ainda que nem todos os episódios tenham o mesmo impacto, o conjunto mostra um criador ainda interessado em tensionar nossas relações com o digital, mas agora com mais empatia do que cinismo.
Um dos destaques é "Hotel Reverie", uma delicada ficção romântica entre duas mulheres separadas por décadas de diferença, mas conectadas dentro de uma simulação de filme antigo. Existe uma crítica óbvia à inteligência artificial e ao uso de imagens sintéticas em Hollywood, mas o episódio se torna convidativo, também, por investir no afeto. É um capítulo que emociona pela construção cuidadosa de um vínculo, visto poucas vezes em uma série marcada historicamente por desfechos sombrios.
Na mesma linha emocional, “Eulogy” oferece uma das atuações mais impactantes da temporada, com Paul Giamatti revisitando um relacionamento fracassado com a ajuda de um sistema que permite reviver memórias. Aqui, Brooker abandona os algoritmos e volta seu olhar para algo mais humano: o arrependimento. É quase teatral em sua estrutura (não que isso seja um ponto negativo), mas a força está justamente na simplicidade. É um episódio de câmera fechada e coração aberto.
A temporada também aposta no resgate de universos já estabelecidos, como é o caso de “USS Callister Infinity”, continuação do querido episódio da quarta temporada e que nesta recente talvez seja o momento de maior atração do público. Os minutos voam e não percebemos que o tempo ou. O retorno ao universo sci-fi, com seus dilemas sobre controle e liberdade, é bem executado, surpreende pela capacidade de sustentar tensão e nostalgia por mais de uma hora. Não é só fanservice: há narrativa, propósito e fechamento.
Nem tudo funciona com o mesmo brilho. “Pessoas Comuns” e “Bête Noire”, por exemplo, ensaiam discussões interessantes sobre os limites do cuidado em nome do amor, ou sobre o impacto psicológico de abusos velados. Faltam nuances, é verdade, e sobram atalhos narrativos. Ainda assim, são episódios que apontam temas relevantes, mesmo que falhem em explorar todo o seu potencial. As atuações, em ambos os casos, são notáveis.
Já “Brinquedo” revisita o universo interativo de “Bandersnatch”. Alternando entre o ado e um futuro próximo, ele propõe uma discussão sobre criação digital e evolução das consciências artificiais. A estrutura de interrogatório pode fragmentar o ritmo, mas a proposta é corajosa, e a performance de Peter Capaldi traz corpo para uma trama que poderia facilmente escorregar no exagero.
No fundo, o que mais chama atenção nesta temporada é a tentativa de reencontrar o equilíbrio, principalmente quando lembramos da temporada anterior. A sétima temporada não é um retorno triunfal, mas é, sem dúvida, um o mais consciente.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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