De olho em “Grey’s” e “The Pitt”, “Pulso” tenta correr atrás do próprio ritmo
Netflix surfa na onda das séries médicas e foca na tensão da ameaça de um furacão
Se fosse só mais uma série sobre médicos salvando vidas com frases de impacto e casos mirabolantes, “Pulso” teria ado batido no catálogo cada vez mais apinhado da Netflix. Mas a produção, assinada por Carlton Cuse (o mesmo de “Lost”), tem tudo para entreter o público ao trazer o emocional instável e as feridas mal cicatrizadas de seus personagens na trama.
A história é centrada em Danny Simms (Willa Fitzgerald, de “Scream”), residente do terceiro ano que, ao ser promovida inesperadamente ao cargo de Residente Chefe, herda não só uma responsabilidade no meio do caos de um furacão, como também a antipatia generalizada de parte da equipe, incluindo seu ex-romance Xander Phillips (Colin Woodell, de “The Originals”), justamente o médico que ela denunciou por assédio.
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A tensão entre os dois não é pano de fundo: é o motor da história. O hospital vira cenário de embates, não só por causa das emergências médicas, mas pelo clima de desconfiança, ressentimento e aquele suspense de “será que foi isso mesmo que aconteceu?” que paira no ar.
Com uma narrativa que alterna entre presente e ado, a série vai soltando peças da história aos poucos, especialmente sobre a relação conturbada entre Danny e Xander. O recurso pode cansar, mas garante certo fôlego dramático para a reta final. O roteiro quer tensão constante, e consegue: às vezes pela ética fraturada dos personagens, às vezes pelo simples prazer de um bom barraco corporativo.
Mas se o furacão é o gancho, o que realmente cola o público na tela é o melodrama. “Pulso” até finge seguir a cartilha de um procedural médico, mas logo se revela novela das oito disfarçada de drama hospitalar. Tem triângulo amoroso, flashback traumático e segredo de família. Não à toa já figura entre os 10 mais assistidos da plataforma: o público engaja nesse tipo de narrativa. A fórmula ainda rende, especialmente quando vem embalada em dilemas modernos e boas atuações.
Fitzgerald, que poderia facilmente cair na armadilha da protagonista perfeitinha, entrega uma Danny quebrada, instável, cheia de culpa e, ainda assim, determinada. Colin Woodell faz o papel clássico do médico bonitão com moral duvidosa, numa vibe meio McDreamy versão 2025. Os dois funcionam bem juntos em cena.
Entre os coadjuvantes, Justina Machado ("One Day At a Time") traz carisma de sobra como a “chefe durona com coração”, Jessy Yates ("Me") também faz um bom trabalho como a médica cadeirante que foge do estereótipo inspiracional. Daniela Nieves ("Five Points"), como a residente novata Sophie, parece ser um rosto promissor para os próximos trabalhos da atriz. Já Nestor Carbonell aparece pouco, mas impõe respeito com aquele olhar fixo que já virou marca registrada desde os tempos de “Lost”, ando por “Bates Motel” e “The Morning Show”. Ainda, é bom ver Jessica Rothe fora do protagonismo de "A Morte Te Dá Parabéns", validando a diversidade do seu trabalho.
Visualmente, a série faz o básico. O caos da emergência é bem captado, o furacão dá um clima de caos controlado e, curiosamente, a Miami de “Pulso” a longe do glamour ensolarado que a gente espera. A cidade aqui é cinzenta, quase claustrofóbica, um reflexo certeiro do que os personagens estão sentindo por dentro.
“Pulso” não quer ensinar medicina, embora faça piada sobre o fato de que a medicina vista em “Grey’s” não deva ser levada a sério. A produção quer explorar culpa, desejo, poder, trauma e orgulho ferido. No embalo do sucesso de “The Pitt” e na eterna carência do público pela série de Shonda Rhimes, “Pulso” chega com todas as cartas na mão: um casal problemático, uma protagonista atormentada, dilemas morais e um hospital que parece prestes a desabar por dentro e por fora.
Pode não ser original nem disruptiva, mas supre a necessidade do público. E como toda boa novela, você assiste dizendo que não vai se apegar… e termina o episódio seguinte querendo saber o que vai acontecer a seguir.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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