Ameaça em show da Lady Gaga: especialista explica como jovens são atraídos por grupos radicais
Ação policial ocorreu na manhã e na tarde deste sábado. Pelo menos nove suspeitos foram identificados. Um homem foi preso no Rio Grande do Sul
Além da emoção que contagiou 2,1 milhões de fãs que presenciaram uma apresentação apoteótica da cantora Lady Gaga nas areias da praia de Copacabana, chamou atenção da imprensa internacional a ação da Polícia Civil do Rio e do Ministério da Justiça para identificar e impedir uma ameaça de ataque a bomba no evento. O plano foi articulado através de redes sociais e levantou a discussão sobre a participação de crianças e adolescentes em grupos virtuais radicalizados.
Segundo a polícia, entre os alvos do ataque estariam crianças, adolescentes e o público LGTQIA+. Batizada de "Operação Fake Monster", a ação identificou que os suspeitos estariam recrutando jovens pela internet para promover os ataques. De acordo com Letícia Oliveira, pesquisadora que faz o monitoramento dessas redes radicais, muitos desses jovens se conhecem em servidores de jogos online ou em ambientes chamados de 'web namoro'. Nesses grupos, lidam com o vazamento de fotos íntimas até a exposição a conteúdos extremamente violentos.
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— Esses grupos se formam com base em identificação. São compostos principalmente por adolescentes e jovens adultos, mas a gente já encontrou até crianças envolvidas. É uma fase da vida em que a pessoa está tentando entender quem é e acaba se aproximando de grupos com os quais se identifica — o que, nesse caso, acaba sendo extremamente perigoso.
Veículos internacionais como BBC News, The Washington Post, CNN e The Telegraph destacaram a ação policial, na qual foram presos um homem no Rio Grande do Sul - apontado como o líder do grupo - e um adolescente, no Rio de Janeiro.

Já se sabe que o bando disseminava crimes de ódio, automutilação, pedofilia e conteúdos violentos, o que motivou a elaboração de um relatório técnico pelo Ciberlab da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (Diopi) da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do MPSP.
— Eles começam consumindo conteúdos chocantes. Isso vai dessensibilizando esses jovens, ao ponto de o conteúdo deixar de gerar qualquer tipo de impacto emocional. Existe uma conexão direta com a subcultura dos chans, fóruns anônimos conhecidos mundialmente. Ali, ameaças, planos de ataque e discursos de ódio são normalizados. Essa lógica foi importada para o Brasil e influenciou muitas das ameaças e ataques que a gente viu na última década, inclusive contra escolas, feministas, pessoas negras e LGBTs — afirma a pesquisadora.
A informação de que o ataque aconteceria no show da cantora Lady Gaga teria sido recebida pela subsecretária de Inteligência da Polícia Civil, segundo o divulgado pela corporação. A partir daí, foi iniciado um trabalho para identificar os donos do servidor utilizado nas conversas e os participantes e coordenadores do grupo.
Os investigadores monitoraram os suspeitos e, em parceria com as polícias civis do Rio, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo, nove pessoas foram identificadas.
— Dentro desses servidores, há uma espécie de competição interna. Quem consegue agir de forma mais violenta ganha prestígio entre os demais. Esses ataques não são aleatórios — eles são tratados como desafios, uma forma de conquistar status dentro da comunidade online em que participam — explica Letícia.
A pesquisadora afirmou ainda que esse tipo de monitoramento já vem sendo feito pela Polícia Federal, pelas polícias civis dos estados e pelo Ciberlab do Ministério da Justiça. Eles atuam com inteligência e prevenção, como já fazem na operação Escola Segura. Segundo Letícia, foi essa estrutura que possibilitou impedir o ataque ao show da Lady Gaga.
Em entrevista ao Globo, o delegado Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab) do MJ, reforçou que o trabalho do Ciberlab de auxílio às forças de segurança já ocorreu em grandes eventos e continuará acontecendo nos próximos.
O delegado explicou também que o planejamento dos ataques durante o show da Lady Gaga foi descoberto pelo trabalho da subsecretaria de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que informou o caso ao Ciberlab.
— O Ciberlab obteve os elementos informativos de quem eventualmente estava participando. As empresas cooperaram quando foram solicitados os dados e, por conta disso, se identificou esse possível ataque. Em decorrência disso, a Polícia Civil do Rio representou por medidas judiciais de busca e apreensão e a operação foi deflagrada.