Kleber Mendonça Filho lembra dedicação de Wagner Moura: "Chegou um mês antes das filmagens"
"O agente secreto", dirigido por Kleber Mendonça Filho e protagonizado pelo ator baiano, disputa Palma de Ouro
Kleber Mendonça Filho tinha 30 anos quando foi pela primeira vez ao Festival de Cannes, em 1999, ainda como crítico de cinema, e acompanhou a conquista da Palma de Ouro pelo drama “Rosetta”, dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne.
ados 26 anos e estabelecido como diretor, o pernambucano do Recife lança em Cannes seu mais novo projeto, “O agente secreto”, e reencontrará os irmãos belgas na mostra competitiva do evento, que dá seu pontapé inicial nesta terça-feira, 13 de maio, na Riviera sa.
Em uma competição com nomes como Sergei Loznitsa, Richard Linklater, Lynne Ramsay, Wes Anderson, Julia Ducournau, Jafar Panahi, Joachim Trier e Kelly Reichardt, os Dardenne vão em busca da terceira Palma de Ouro (também venceram em 2005, com “A criança”), enquanto o Brasil busca a sua segunda, 63 anos após a conquista de “O pagador de promessas”, de Ancelmo Duarte.
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Em 2019, Kleber chegou perto ao levar para casa o Prêmio do Júri por “ Bacurau”, codirigido por Juliano Dornelles. O diretor se junta a Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Hector Babenco e Walter Salles como os brasileiros com mais presença na mostra competitiva de Cannes, com um total de três participações (esteve na disputa com “Aquarius”, em 2016, em participação marcada pelo protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff no tapete vermelho do Palácio dos Festivais).
— Minha relação com Cannes é muito pessoal e até difícil de expressar. Muito antes de ir, eu era um jovem cinéfilo que entendia a importância histórica do festival. Frequentei como crítico por muitos anos sem nenhuma pretensão, até que em 2005 exibi o curta “Vinil verde” na Quinzena dos Realizadores — lembra o cineasta, de 56 anos, que deixou a crítica em 2010. — Não foi planejado, mas olhando agora vejo que foi uma transição quase cartesiana, larguei um trapézio e peguei outro. Eu amava a crítica, mas senti que tinha chegado a uma espécie de limite. Acabei deixando pouco antes de começar a filmar meu primeiro longa (“O som ao redor”).
Sob medida
Foi em Cannes que Kleber conheceu Wagner Moura, em 2005, quando o ator apresentava “Cidade baixa”, de Sérgio Machado, na mostra Un Certain Regard. O baiano de 48 anos é o protagonista de “O agente secreto”. Ele interpreta Marcelo, especialista em tecnologia que volta ao Recife em busca de paz, fugindo de um ado misterioso. Mas logo percebe que a cidade não é o refúgio tranquilo com que sonhava. O elenco tem ainda Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido, Udo Kier, Hermila Guedes, Thomás Aquino e Alice Carvalho.
— Queria há um tempo desenvolver um filme para Wagner. Além de ser um grande ator, é uma grande pessoa. Ele poderia ter chegado dois dias antes das filmagens, mas quis chegar um mês antes ao Recife. ou um mês ensaiando, trabalhando, andando. Acho que ele não queria se sentir um estrangeiro trabalhando no Brasil.
O diretor se diverte ao lembrar de como a presença de Wagner repercutiu na cidade e nas redes sociais:
— Sempre que ele saía para comer, as pessoas pediam fotos e postavam no Instagram. Então, ficou parecendo que ele tinha vindo só comer no Recife.
Kleber conta que “O agente secreto” nasceu da vontade de fazer um thriller que resgatasse o ado. Inspirado pelas pesquisas para o documentário “Retratos fantasmas” e pelas memórias da infância, chegou ao ano de 1977, com um país que “era muito diferente, mas, de certa forma, muito parecido com o de hoje”.
No ano ado, Kleber integrou o júri que concedeu a “ Ainda estou aqui” o prêmio de melhor roteiro, para Murilo Ha e Heitor Lorega, no Festival de Veneza. O diretor se diz emocionado com a trajetória do filme de Walter Salles e espera que “O agente secreto” ofereça outro olhar sobre o período da ditadura militar no Brasil.
— O nosso cinema e o cinema argentino têm esse subgênero cinematográfico que é o filme que narra histórias relacionadas ao regime militar e a forma como os dois países foram conduzidos, violados, desrespeitados e atrasados com regimes de muita violência. — destaca o diretor. — Talvez seja interessante para o público ver “O agente secreto” um ano depois de “Ainda estou aqui” e ter o a dois pontos de vista diferentes. O filme se a no Nordeste, não deixa de ser outra janela para este período histórico que não temos como ignorar.
“O agente secreto” é uma coprodução entre Brasil, França, Holanda e Alemanha. Com conhecimento de causa em parceria internacionais, o brasileiro ainda tenta entender a proposta de Donald Trump de taxar em 100% produções estrangeiras ou filmes americanos rodados no exterior.
— Temos que esperar para tentar entender. Acho que existe uma diferença entre tentar fortalecer a indústria dos Estados Unidos e tentar taxar em 100% uma distribuidora americana que queira lançar um filme da Chantal Akerman, por exemplo, que fez um cinema independente que tem zero importância econômica — afirma. — É mais um capítulo de decisões de governos de extrema direita que não fazem o menor sentido. O cinema de Hollywood não está sendo ameaçado pelo cinema romeno, pelo cinema brasileiro.
Intercâmbio
Além de “O agente secreto” , o cinema brasileiro estará presente em outras mostras do Festival de Cannes. Coprodução entre Brasil, Portugal, Romênia e França, “O riso e a faca”, de Pedro Pinho, integra a competição da Un Certain Regard, enquanto o documentário “Para Vigo me voy!”, de Lírio Ferreira e Karen Harley, sobre Cacá Diegues, será exibido na mostra Cannes Classics e concorrerá ao prêmio Olho de Ouro. Já a Quinzena dos Realizadores exibirá quatro curtas-metragens produzidos no Ceará sob mentoria de Karim Aïnouz como parte do projeto Directors’ Factory.
O cinema nacional também será o centro das atenções no Marché du Film, área de mercado do evento que elegeu o Brasil como o país de honra como parte das comemorações da Temporada Brasil-França, que marca os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países. O Brasil contará com dois estandes no Marché. O principal, com 96m², apresentará o projeto Cinema do Brasil, enquanto que o segundo espaço, com 37m², será compartilhado entre SPCine e RioFilme.
Se as mostras competitivas de Cannes são reservadas para a estreia de filmes, a área de mercado conta com projetos nas mais diversas fases de desenvolvimento em busca de parcerias para produção ou distribuição.
São centenas os longas brasileiros que arão pelas salas de exibição e pelas rodadas de investimento do Marché. A comédia “Dois é demais em Orlando”, com Eduardo Sterblitch, já exibida nos cinemas brasileiros, estará em Cannes buscando a venda para VOD internacionalmente e interessados em coproduzir uma continuação. O drama “Manas”, de Marianna Brennand, que chega aos cinemas brasileiros na quinta-feira, buscará distribuidores internacionais. O infantil “Clarice vê estrelas”, produzido por Bruno Gagliasso e Vini Jr., será exibido no caráter de “trabalho em desenvolvimento” tentando atrair parceiros. Já o novo filme dirigido por Selton Mello, “Alma”, está em fase inicial de pré-produção à procura de parcerias para financiamento, produção e distribuição. É o mesmo caso de “Escuderia tropical”, drama de Aly Muritiba sobre os irmãos Wilson e Emerson Fittipaldi; de “Corupá”, estreia na direção de Bruna Linzmeyer; e de muitos outros.