"Perseguidas": exposição fotográfica pelas ruas do Recife reflete sobre violência de gênero
Espalhado pela cidade, projeto artístico mostra mulheres "armadas" para repelir a violência contra elas, sobretudo aquelas cometidas nas vias e transportes públicos
Mulheres armadas estão pelo Recife em lambe-lambes. Elas vestem trajes que são como armaduras, trabalhados com objetos pontiagudos, como arames e facas, pregos e agulhas, a rigor da violência da qual precisam se defender em espaços, embora públicos, inseguros.
"Perseguidas”, projeto concebido pela artista Andréa Veruska e a fotógrafa Camila Silva, é um desdobramento da performance que Veruska realizou em 2017, quando circulou dentro de transportes coletivos da cidade vestindo pregos enferrujados, para confrontar a violência contra a mulher em ônibus e paradas, metrôs e estações.
Leia também
• Exposição lembra atuação do MPF em defesa dos direitos LGBTQIA+
• Exposição interativa e roda de conversa apresentam processos criativos das oficinas do fEEEio Lab
• Exposição "Solos ART.PE" reverencia a arte contemporânea até o próximo domingo (8)
Fotografadas por Camila Silva, as “Perseguidas” estão fixadas em muros nas proximidades dos terminais integrados de Afogados e do Barro, e também perto de paradas de ônibus na rua da Aurora (Boa Vista) e nas avenidas Norte (Casa Amarela), República do Líbano (Pina) e Cruz Cabugá (Santo Amaro).
Também recebe o projeto a rua do Pombal (também em Santo Amaro), endereço de baixa movimentação de pessoas e alta sensação de medo, ainda que esteja nas redondezas da Delegacia da Mulher. Impressas com até três metros de altura, as mulheres registradas para essa exposição têm como pacto revidar o medo e repelir a violência.
A exposição urbana “Perseguidas” é fruto de criação coletiva de Andréa Veruska e Camila Silva junto com a multiartista e designer Aurora Jamelo, mulher trans; a artista visual e arte-educadora Mariama de Aquino e o artista urbano Filipe Gondim.
A ideia se desdobrou da performance apresentada por Veruska em 2017, quando, vestida com uma armadura de pregos enferrujados, circulando por espaços e transportes públicos, fundava um projeto artístico de inconformidade contra a naturalização da violência contra a mulher. Há oito anos e agora, grafada com piche, “Perseguidas” tem a função de gritar, ainda que visualmente.
“A nossa intenção é a de que os homens, ao verem essas mulheres armadas, sintam um pouco o medo que a gente sente”, diz Veruska. “Ao sair de casa, o homem, no máximo, pensa que pode ser roubado. Já a mulher tem que pensar em onde e como vai, em qual roupa vai usar e por onde vai ar”, continua a artista.
Veruska chegou à ideia quando pesquisava gênero e performance junto com o ator Wagner Montenegro, no Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido (Nexto), criado por eles. À época, ela leu o livro “Teoria King Kong”, de Virginie Despentes, sobre estupro que sofreu aos 17 anos.
A escritora sa surpreende quando revela que, naquele momento, tinha uma arma guardada sob a jaqueta e, assim, podia se defender, mas paralisou frente ao estuprador porque foi educada a não atacar.
Despentes, então, conclui que, enquanto o homem é formado para o abuso, a mulher é educada para silenciar diante dele. “É por isso que, mesmo num ônibus ou num vagão de metrô cheios, com um monte de gente olhando, os homens não se inibem, eles não ficam constrangidos. Eles acocham, am a mão, assediam.”
Veruska lembra de uma amiga que usava um palito japonês de cabelo como instrumento para afastar abusadores nos ônibus. “Nas entrevistas para a minha pesquisa, todas as mulheres tinham história de assédio em transporte público ou caminhando na rua”, conta.
Em 2019, pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com mais de mil mulheres de todo o país, revelou que 97% delas já haviam sofrido assédio no transporte público. Não à toa, o metrô do Recife e de outras cidades, como Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, destinam vagões exclusivos para mulheres em horário de pico.
“Eu entendo esse projeto como uma forma urgente e necessária de comunicação, ao trazer as mulheres de formas grandiosas, imponentes, em bando. Como uma mulher, fotógrafa e realizadora audiovisual, desejo incansavelmente utilizar os recursos comunicacionais visuais para colocar nossos gritos nas ruas, nas casas, nos espaços públicos e privados”, diz a fotógrafa Camila Silva, que está junto com Veruska desde 2017, quando registrou em vídeo uma performance da artista feita no Metrô do Recife.
Nas imagens que Camila Silva fotografou e montou para “Perseguidas” aparecem Andréa Veruska, Aurora Jamelo, Bruna Alves, Íris Campos, Mariama de Aquino e Nilza Souza. A artista Lia Letícia, convidada para colaborar com a equipe curatorial, escreveu, em seu texto “Medo É Raiva”, que “Qualquer mulher prefere encontrar o diabo do que um homem quando está sozinha na rua”. Às etiquetas de segurança repetidas desde sempre, como “ande no meio da rua, sente atrás do banco do motorista, corra, grite”, ela acrescenta: “sinta raiva, revide”.
“Perseguidas” conta com o apoio da Lei Paulo Gustavo, do Governo do Estado de Pernambuco, do Edital Funcultura Microprojeto Cultural e da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) Recife.
SERVIÇO
Exposição fotográfica urbana “Perseguidas”
Onde encontrá-las:
Centro: próximo a parada de ônibus na rua da Aurora, esquina com a rua da Imperatriz (Boa Vista); perto da parada de ônibus em frente ao Mix Mateus da avenida Cruz Cabugá (Santo Amaro) e na rua do Pombal, perto da Delegacia da Mulher (Santo Amaro);
Zona Norte: na Avenida Norte, próximo a parada de ônibus nas imediações da Praça do Trabalho (Casa Amarela);
Zona Oeste: próximo aos terminais de Afogados e do Barro;
Zona Sul: próximo ao shopping RioMar Recife (Pina).
Todas as fotografias trazem QR Codes que direcionam para audiodescrições das imagens e também para o Instagram do projeto (@projeto_perseguidas)