"Two prosecutors": o comunismo stalinista como alerta no Festival de Cannes
Baseado em um conto de Georgy Demidov, filme exibido na quarta-feira narra o ingênuo pedido de uma investigação por maus-tratos apresentado por um jovem promotor recém-nomeado na Rússia soviética de 1937
O totalitarismo comunista no pior período do governo de Stalin foi o alerta que o ucraniano Sergei Loznitsa levou ao Festival de Cannes, com a exibição de um dos primeiros filmes da mostra competitiva.
Baseado em um conto de Georgy Demidov, "Two prosecutors" - exibido na quarta-feira (14) - narra o ingênuo pedido de uma investigação por maus-tratos apresentado por um jovem promotor recém-nomeado na Rússia soviética de 1937.
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O jovem idealista (interpretado por Aleksandr Kuznetsov), membro do Partido Comunista, tenta abrir a investigação sobre um centro de detenção distante de Moscou, onde ele conseguiu visitar outro promotor encarcerado e torturado.
A máquina totalitária rapidamente entra em ação para calar a voz dissidente.
"Não seja ingênuo, essa é a mensagem para os espectadores e para mim mesmo", disse Loznitsa em uma entrevista à AFP sobre a trama do primeiro filme que rodou em quase uma década.
"A sociedade russa de hoje é diferente da sociedade soviética do século XX, mas a essência é a mesma", acrescenta o diretor de 60 anos.
A Rússia, depois de 25 anos de governo de Vladimir Putin, se parece com a União Soviética, afirma Loznitsa. Mas sua mensagem também ressoa em uma época de retrocessos em muitas democracias.
"Poderia acontecer em qualquer sociedade", destaca, ao ser questionado se os Estados Unidos correm o perigo de cair no despotismo.
Enquanto na Rússia de Putin, que invadiu a Ucrânia, os dissidentes são detidos, nos Estados Unidos a divisão política é particularmente aguda.
A oposição democrata e a esquerda denunciam Donald Trump como um autoritário.
O presidente republicano responde, por sua vez, que foi durante o governo anterior, do democrata Joe Biden, que investigações contra ele foram abertas.
"Há pessoas que têm um verdadeiro talento para fazer com que a sociedade se dobre aos seus desejos mais profundos", reflete Loznitsa. "Stalin era extremamente talentoso nisso".
Stalin foi, entre 1924 e 1952, o principal governante da União Soviética e um líder louvado durante anos pela esquerda política e pelos intelectuais no Ocidente. Responsável por um genocídio contra camponeses proprietários de terras na Ucrânia na década de 1930, Stalin também determinou a detenção de centenas de milhares de opositores.
Olhar feminino sobre o ado
Outro filme exibido no início da mostra competitiva foi "Sound of falling", o segundo longa-metragem da alemã Mascha Schilinski, uma diretora que confessou que "uivou de alegria" ao saber que estava no grupo de 22 cineastas selecionados para a disputa da Palma de Ouro este ano.
O filme narra, em episódios curtos, a relação especial entre um grupo de meninas e mulheres em uma fazenda isolada no norte da Alemanha, ao longo de décadas.
Um drama intergeracional, o filme aborda morte, sexo, crueldade e a inocência das crianças.
"Muitas mulheres neste filme não escolhem a morte, mas muitas vezes é a única possibilidade em que pensam para se libertar radicalmente", explicou à AFP Schilinski, cujo filme estreia no início de setembro na Alemanha.