Para argentinos tirarem dólares do colchão, Milei libera uso dos recursos sem declarar origem
rgentina adotará um regime simplificado de Imposto de Renda
O governo argentino anunciou nesta quinta-feira um conjunto de medidas para trazer os dólares que estão fora do sistema financeiro — popularmente conhecidos como "dólares debaixo do colchão" — para a economia formal. Chamado de Plano de Reparação Histórica das Poupanças dos Argentinos, a iniciativa foi apresentada pelo porta-voz presidencial Manuel Adorni e pelo ministro da Economia, Luis Caputo, na Casa Rosada.
Durante o anúncio, Adorni enfatizou que, a partir de agora, será respeitado o princípio da inocência dos contribuintes, conforme estabelecido pela Constituição argentina:
— Os argentinos voltam a ser inocentes até que a Arca (Agência de Cobrança e Controle Aduaneiro) prove o contrário. Seus dólares, sua decisão.
O plano será implementado em duas fases distintas: a primeira por meio de decreto presidencial, e a segunda mediante projeto de lei que será enviado ao Congresso.
Leia também
• Patagônia argentina em guerra contra medida de Milei que ameaça sua indústria
• Província argentina tem greve de 24 horas contra incentivo à importação de celulares
• Argentina encerra comissão investigadora de suposta fraude envolvendo Milei
Antes disso, o porta-voz e as outras autoridades tiraram uma foto, todos usando gravatas vermelhas. “Está chegando. O fim”, escreveu Adorni em uma rede social.
As medidas
Veja os principais pontos que entram em vigor nesta sexta-feira, 23 de maio:
Compras pessoais com cartão de crédito pessoal, débito ou carteira virtual não precisarão ser informadas à Arca
Cartórios ficam dispensados de reportar atividades notariais
Veículos usados e pagamento de condomínios também estarão dispensados de comunicação
Compradores de imóveis e corretores não precisarão informar transações imobiliárias
Fornecedores de serviços públicos estão liberados de reportar à Arca
Os bancos serão proibidos de solicitar declarações de impostos nacionai.
Além disso, o Banco Central da Argentina formulará regras para diminuir a burocracia e melhorar os serviços financeiros disponíveis. As pessoas também terão o a suas informações financeiras, com o BC argentino ainda a definir os parâmetros de como isso será feito.
A Argentina também adotará um regime simplificado de Imposto de Renda em que, entre outras coisas, não serão mais necessárias informações sobre consumo e patrimônio, com o Fisco do pa[is focando apenas o faturamento e as despesas dedutíveis do consumidor.
Os motivos
Ao explicar as razões que levaram o governo a avançar com este plano, Adorni afirmou que a Argentina se tornou um dos países onde "mais se criminalizou a poupança", culpando uma "série histórica de má istração" de governos anteriores que fez com que ganhar dinheiro "fosse mal visto e até perigoso".
Entre críticas aos governos que alimentaram "um Estado gigante" que "invadiu os bolsos" dos contribuintes com cobrança de impostos e emissão monetária, o porta-voz destacou que essas políticas geraram inflação e um sistema tributário que não atualizava os limites fiscais e as faixas de isenção, obrigando os argentinos a pagarem impostos indevidos.
— Isso criou o cenário perfeito para que os argentinos migrassem para a informalidade, enquanto o Estado aumentava cada vez mais os impostos sobre os poucos que permaneciam na formalidade. A aberração foi tanta que vivemos quase dez anos de controle cambial, tratando quem queria comprar mais de US$ 200 como se fosse um criminoso do nível de Al Capone, revistando pessoas com cães e forças de segurança... todos lembram das cenas na rua Florida. Enquanto isso, os corruptos aliados da velha política, eando de iate pelo Mediterrâneo, tinham impunidade garantida — afirmou Adorni.
Suas declarações são uma referência ao kirchnerismo e às polêmicas imagens de Martín Insaurralde, ex-prefeito de Lomas de Zamora e ex-chefe do Gabinete de Ministros da Província de Buenos Aires, com a modelo Sofía Clerici na Europa.
Sobre os governos anteriores, Adorni falou de um "Estado tipo Grande Irmão (em referência ao livro “1984“, de George Orwell)" que monitorava todas as transações das pessoas "como se fossem criminosas merecedoras de punição", normalizando "práticas absurdas" como "obrigar bancos a reportar todas as transações e comerciantes a informarem cada compra".
— A voracidade fiscal nos fez desperdiçar recursos vigiando alguém por encher o carrinho de compras ou comprar um liquidificador. Cadastrávamos tantas operações supostamente suspeitas que a Unidade de Informação Financeira (UIF) só conseguia analisar 0,34% dos casos. Uma verdadeira palhaçada — reclamou Adorni.
O porta-voz acrescentou:
— Em um ato de loucura coletiva, a política decidiu tratar todos os argentinos como potenciais criminosos, invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência.
Essas medidas, segundo ele, "alienaram os cidadãos do sistema" e os fizeram desconfiar do Estado e dos bancos. Atualmente, para cada peso na formalidade, há cinco na informalidade — seja na economia paralela ou guardados em dólares —, o que também aumentou o emprego informal.
Novos salários: Câmara aprova projeto que dá reajuste a servidores e reorganiza cargos
— Pior: essa farsa de controle sequer combateu fluxos financeiros ilícitos. Tratou cidadãos de bem como bandidos enquanto criminosos de verdade ficavam impunes. Até o Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional), em seu último relatório sobre antilavagem, recomendou melhorar a fiscalização. Isso acaba hoje. Chega de hipocrisia que mantém reféns argentinos que trabalham, poupam e investem. O presidente ordenou à equipe econômica implementar o Plano de Reparação Histórica das Poupanças dos Argentinos — concluiu.
‘Seus dólares, sua decisão’
Adorni explicou detalhadamente a estrutura do plano, que será implementado em duas fases distintas.
— A primeira envolve tudo o que o Poder Executivo nacional pode fazer e está ao seu alcance. Ele será implementado por decreto, que o presidente á nas próximas horas, e a UIF adaptará seus regulamentos ao novo esquema — explicou.
Já a segunda fase do plano consiste na elaboração de um projeto de lei com o objetivo de proteger os poupadores argentinos contra eventuais mudanças de rumo em futuras istrações. Adorni justificou esta medida afirmando que os mesmos atores políticos responsáveis pela criação do atual marco regulatório, que classificou como persecutório e excludente, continuariam participando do processo eleitoral a cada quatro anos.
O porta-voz afirmou ainda que é necessária uma "mudança de atitude":
— Seus dólares, sua decisão. O que é seu é seu, não pertence ao Estado. Você deve ter plena liberdade para utilizar seus recursos como bem entender, sem a obrigação de justificar sua origem. A partir de agora, os argentinos voltam a ser considerados inocentes até que a Arca demonstre o contrário.
Ao abordar as críticas levantadas pela oposição, que questiona os possíveis impactos do plano nas políticas de combate à lavagem de dinheiro, Adorni reafirmou o compromisso do governo com a segurança financeira.
— Vamos alocar recursos para combater aqueles que cometem crimes, para puni-los em toda a extensão da lei. Em nosso objetivo, aquele que faz o que faz paga por isso. O ridículo de fazer os justos pagarem pelos pecadores acabou. É preciso virar a página e colocá-los definitivamente em um verdadeiro caminho de crescimento — afirmou.
Para isso, disse ele, é necessário que o Estado confie nas pessoas e que as pessoas confiem no Estado.
— A confiança é uma via de mão dupla. Somente se confiarmos nas pessoas e permitirmos que o dinheiro flua livremente é que o país avançará. Não podemos fazer a mesma coisa o tempo todo e esperar resultados diferentes. É por isso que a intenção é parar de tratar as pessoas como criminosos por padrão. O objetivo não será perseguir os bons argentinos que conseguem economizar, será perseguir os traficantes de drogas e os criminosos que veem o crime como um modo de vida — disse Adorni.