Com popularidade em queda, governo muda as regras da tarifa social de energia
O custo das benesses deve ser assumido especialmente pela indústria, que precisará pagar novos encargos
Em um momento de baixa popularidade de seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem uma medida provisória (MP) que reforma o setor elétrico e amplia descontos nas contas de luz para consumidores de baixa renda. Além disso, cria um mecanismo para reduzir as tarifas de clientes que hoje não são beneficiados pela política.
O custo das benesses deve ser assumido especialmente pela indústria, que precisará pagar novos encargos.
O texto foi apresentado a parlamentares em reunião no Palácio do Planalto, numa tentativa do governo de angariar apoio sobre o tema. Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), participaram. No encontro, Lula disse que o Congresso tem a prerrogativa de alterar as propostas enviadas pelo Executivo:
— Eu sempre que digo a seguinte frase: melhorar sempre, piorar, jamais.
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Quando foi anunciada, a reforma causou divergências públicas entre os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira, por causa do temor sobre o impacto nos gastos do governo. Mas o Ministério de Minas e Energia (MME) tratou logo de dizer que os recursos viriam de cortes de subsídios e da realocação de custos.
A tarifa social continua sendo destinada a famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) que tenham renda mensal de até meio salário mínimo per capita; para pessoas com deficiência ou idosos que recebam o Benefício de Prestação Continuada (BPC); e para famílias indígenas e quilombolas do CadÚnico.
Pelo novo modelo, a a ter gratuidade na conta de luz o consumo mensal de até 80 quilowatts-hora (kWh) por mês. Se consumir mais do que isso, o cliente pagará o excedente. Por exemplo, se a conta é de 100 kWh, vai pagar 20 kWh no mês. O consumo médio mensal de todos os lares do país é de cerca de 180 kWh.
Atualmente, em torno de 60 milhões de pessoas se enquadram nesses perfis, segundo o governo. A estimativa é que, com a medida, 16 milhões tenham a conta zerada e 44 milhões sejam beneficiados com um desconto maior. Nas regras de hoje, a tarifa social é aplicada de forma escalonada. As mudanças am a valer a partir de junho.
Em outra frente, o governo criou o que chama de desconto social de energia elétrica. Com ele, terá isenção da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE, um superfundo que reúne os subsídios do setor) quem consome até 120 kWh por mês, desde que a família esteja no CadÚnico e tenha renda por pessoa de meio a um salário mínimo.
A isenção da CDE dará um desconto de 12% na conta. Com o mecanismo, mais 21 milhões de famílias podem ser beneficiadas (55 milhões de pessoas).
A ampliação da tarifa social e a criação do mecanismo de desconto custariam em torno de R$ 4,5 bilhões por ano. Para compensar o custo, o governo propôs a inclusão de grandes consumidores na base de pagantes da eletricidade gerada pelas usinas nucleares Angra 1 e 2, mudanças no rateio da CDE e a limitação dos subsídios para transmissão de energia eólica e solar.
O ministro Silveira defendeu as medidas compensatórias:
— Quem compreender o todo da reforma vai ver que a conta vai cair numa correção de alguns incentivos que foram dados.
A indústria reagiu. A Abrace, associação que representa grandes consumidores de energia, disse que é uma política anti-industrial, com consequências “graves” para a economia.
— Estamos conversando com o governo e vamos iniciar as tratativas com o Congresso para que os benefícios da redução da conta de energia alcancem também o preço dos produtos feitos no país, que carregam grande parte dos custos da energia usada na produção — disse Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.
Aumento no consumo
A mudança na tarifa social vem após um aumento de 30%, entre 2017 e 2024, no consumo das famílias beneficiadas. A alta foi puxada, principalmente, pela maior presença de eletrodomésticos nos lares e pelas ondas de calor, que aumentaram o uso de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. Em 2024, a média mensal do consumo dos beneficiários da tarifa social foi de 154 kWh por mês — acima da nova faixa de isenção proposta.
A análise foi feita pela consultoria PSR. A diretora técnica Angela Gomes disse que a proposta do governo é meritória do ponto de vista social, e que vai trazer um grande alívio para o orçamento das famílias:
— O volume de energia consumido por essa população aumentou. O peso da fatura de energia no orçamento dessas famílias, que são muito pobres, aumentou, e é preciso que isso seja recalibrado.
Para o professor Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia, istração e Contabilidade (FEA) da USP, subsídios como a tarifa social podem gerar distorções. São complexos de gerir e sem garantia de que os resultados sejam os mais eficientes. O professor defende a transferência direta de renda às famílias mais pobres como uma alternativa mais eficaz:
— Os subsídios tendem a elevar o consumo por uma distorção do mercado, gerando mais ineficiência na economia, e são complexos de fiscalizar e de implementar.