Gripe aviária: o que se sabe até agora sobre os casos suspeitos no Brasil
Teste feito em trabalhador de granja afetada no Rio Grande do Sul, que havia apresentado sintomas gripais, dá resultado negativo para a doença. Todos que tiveram contato com aves doentes estão sendo monitorados
Ontem entraram no radar do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) dois novos possíveis focos de gripe aviária, um em Derrubadas, também no Rio Grande do Sul, onde foi detectado um foco na semana ada, e outro no Pará, no município de Eldorado dos Carajás. Com estes, são agora seis casos sob investigação.
Também ontem, o Ministério da Saúde e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, informaram que o trabalhador da granja de Montenegro (RS) onde foi detectado o foco não tem gripe aviária. Pela manhã, a Secretaria Estadual da Saúde gaúcha havia revelado que esse funcionário, que teve contato com aves doentes, apresentava sintomas gripais.
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Mas o teste, feito na Fiocruz, laboratório de referência para este tipo de análise, deu negativo. No momento não há outros casos suspeitos ou em investigação no Brasil.
O Ministério da Saúde e a secretaria gaúcha monitoram todas as pessoas que podem ter sido expostas ao vírus por contato direto com aves infectadas. “Não há registro em todo o mundo de transmissão da doença de uma pessoa para outra”, reforça a pasta.
O risco de infecção humana é baixo e não ocorre pelo consumo de carne ou ovos, mas sim por contato direto com aves doentes ou com ambientes contaminados.
Dos seis casos em investigação, dois estão em granjas comerciais, em Ipumirim (SC) e Aguiarnópolis (TO). Eram sete casos, mas ontem o Mapa descartou um foco em uma produção familiar de subsistência em Estância Velha (RS).
Negociação com China
Após se reunir com Leite, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que, embora inicialmente estivesse prevista para começar ainda esta semana, a desinfecção total da granja afetada será adiada. Segundo ele, o processo precisa ser feito com rigor para que o Brasil possa manter o status de país livre de Influenza aviária de alta patogenicidade.
— Combinamos aqui ações para fortalecer ainda mais o sistema e chegar o mais rápido possível à desinfecção total da granja. Já tínhamos o compromisso de que o marco zero poderia ser amanhã (hoje), mas isso não será possível. O procedimento precisa ser muito robusto para garantir que, ao longo dos 28 dias, não teremos novos focos no Brasil — explicou.
Somente ado esse período, que corresponde à incubação do vírus, o governo notificará a Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa) e procurará os parceiros internacionais para a retomada das exportações. Dezesseis países mais a União Europeia (UE) fecharam totalmente seus mercados para o frango brasileiro. Outros sete só adotaram restrições para a região afetada.
Fávaro também se reuniu ontem com integrantes da Frente Parlamentar de Agricultura (FPA). O ministro disse esperar que parceiros como China e UE possam regionalizar a suspensão das compras de frango brasileiro, ou seja, restringir o embargo ao Rio Grande do Sul ou a um raio de 10 quilômetros do local onde foi detectado o foco de gripe aviária. Fávaro disse que já existem tratativas com os chineses:
— Temos transparência na condução do processo, informando todos os casos suspeitos, e os casos negativos vão garantir um ativo para propormos à China a regionalização. Há indícios que pode ser regionalizado, mas cinco dias (desde a confirmação do caso em Montenegro) é muito pouco tempo — disse o ministro.
Segundo interlocutores do Mapa, o governo brasileiro já teria encaminhado às autoridades sanitárias chinesas a flexibilização do protocolo usado pela China.
Corrida contra o tempo
Na avaliação de Luiz Henrique Melo, analista de aves do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, o ponto-chave no estágio atual do monitoramento da gripe aviária no país é o tempo.
Se os controles adotados pelas autoridades federais e estaduais – como o abate de 17 mil aves na granja atingida, a desinfecção do local, a instalação de bloqueios nas estradas e a destruição dos ovos que saíram da unidade onde houve o caso da doença – forem bem-sucedidos e todos os casos suspeitos nos próximos 28 dias acabarem dando negativo para o vírus, a tendência é de normalização nas exportações. Os impactos negativos ficariam s ao Rio Grande do Sul, disse Melo.
– Até lá, estou otimista em relação à possibilidade de que os países que fizeram embargos às vendas de todo o Brasil possam ir flexibilizando – afirmou o pesquisador, lembrando que essa evolução positiva ocorreu no caso de doença de Newcastle (DNC).
Para que o tempo jogue a favor da indústria avícola nacional, será preciso também uma dose de sorte: que não surjam outras transmissões de aves silvestres para comerciais, numa contaminação paralela à registrada no Rio Grande do Sul, e não a partir dela. Se isso ocorrer nos próximos 28 dias, a contagem de tempo para se liberar as vendas ao exterior volta à estaca zero, disse Melo.
O pesquisador do Cepea também recomendou cautela ao analisar os efeitos da gripe aviária sobre a inflação. O órgão da USP é conhecido por monitorar os preços agropecuários, e o quilo do frango, tanto congelado quanto resfriado, tem se mantido estável. Desde o início do mês, o quilo do frango congelado está em torno de R$ 8,70. O último registro, de segunda-feira, dia 19, é de R$ 8,67.
Segundo Melo, pode haver alguma queda nos preços de carne de frango, se parte da oferta que iria para o exterior ficar no mercado doméstico, mas o efeito seria temporário. E, possivelmente, poderá ficar ao Rio Grande do Sul. Foi assim com a DNC, lembrou Melo.
Conforme o pesquisador, o alívio nos preços tende a ser temporário porque o ciclo de produção da carne de frango é relativamente curto, em torno de 30 dias, e os frigoríficos conseguem calibrar a oferta à redução da demanda – caso os embarques para o exterior sigam bloqueados.
No longo prazo, um espalhamento da gripe aviária pelas granjas comerciais do país poderia atuar no sentido oposto, elevando os preços internos da carne de frango, caso haja redução da produção por conta da doença. Melo lembrou que, no ano ado, a enfermidade se espalhou rapidamente pelas granjas dos EUA, a ponto de causa escassez de ovos nos mercados, fazendo os preços dispararem. Ainda assim, a situação atual do Brasil está longe disso.
– Nos EUA espalhou muito rápido – afirmou Melo. – Mas o Brasil, em nível de biosseguridade, é referência mundial.
Fundo sanitário
O ministro da Agricultura também pediu aos integrantes da FPA apoio para colocar em pauta o projeto de lei 4.583/2020, que prevê a criação do chamado fundo sanitário. A proposta está parada desde 2021 na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
— Eu queria pedir a vocês que falassem com o presidente (da Câmara) Hugo Motta para a gente pautar o projeto 4.583, que trata do fundo sanitário, para que a gente possa criar um fundo — afirmou.
O ministro reforçou que a gripe aviária não é a única preocupação sanitária. O Brasil, disse, enfrenta outras três emergências: a monilíase do cacau, a mosca-da-fruta da carambola e a vassoura-de-bruxa da mandioca — o Mapa confirmou ontem um caso na Terra Indígena do Parque do Tumucumaque, que não tem produção comercial.
O fundo serviria para cobrir prejuízos de produtores que precisam destruir animais ou plantações por determinação dos órgãos de defesa sanitária. Segundo Fávaro, com a crise climática isso tende a se tornar mais frequente.