Desespero por comida leva moradores de Gaza a invadir novo centro de ajuda em meio a disparos israel
Incidente ocorreu após Israel ter aliviado parcialmente o bloqueio total de suprimetos imposto ao território
Milhares de palestinos, em desespero, invadiram nesta terça-feira um novo centro de distribuição de ajuda em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, istrado por uma fundação com apoio de Israel e dos Estados Unidos, gerando cenas de caos e levando a disparos do Exército israelense.
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O incidente ocorreu poucos dias após Israel ter aliviado parcialmente o bloqueio total de ajuda imposto ao território em 2 de março, que agravou a escassez de alimentos e medicamentos no enclave palestino.
— Eu estava na fila de um ponto de distribuição de ajuda em Rafah com centenas de outros cidadãos, e de repente uma grande multidão começou a me empurrar e entrar de forma desordenada — disse Ayman Abu Zaid, um deslocado de Gaza, à AFP. — Foi por causa da falta de ajuda e da demora na distribuição. Tentaram entrar e levar o que pudessem.
Em determinado momento, "as forças israelenses começaram a atirar, e o som era muito assustador, e as pessoas começaram a se dispersar, mas algumas continuaram tentando pegar a ajuda apesar do perigo", acrescentou.
Mais tarde, o Exército israelense declarou que suas "tropas dispararam tiros de advertência na área externa do complexo", mas negou os relatos de que teriam aberto fogo de um helicóptero em direção ao centro.
Segundo o jornal israelense Times of Israel, citando relatos de palestinos, o pessoal de segurança americano encarregado de proteger a área fugiu do local na hora do caos. Não houve relatos de vítimas no incidente.
Por sua vez, a recém-criada Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), apoiada pelos EUA, que opera os centros de distribuição, disse que as equipes recuaram para permitir que "um pequeno número" de pessoas levasse comida em segurança.
Ainda de acordo com a fundação, as operações foram retomadas após o caos e "cerca de 8 mil caixas de alimentos" foram distribuídas, "representando um total de 462 mil refeições".
Vídeos compartilhados nas redes sociais mostravam que os pacotes continham itens básicos, como farinha, macarrão, leguminosas, arroz, óleo de cozinha e alimentos enlatados, alguns com embalagens israelenses.
A GHF também culpou os "bloqueios impostos pelo Hamas" por causar atrasos de várias horas em um de seus centros.
Em contrapartida, a assessoria de imprensa do Hamas disse que os novos esforços de Israel para distribuir ajuda a Gaza "falharam miseravelmente".
"Essa falha ocorreu depois que milhares de pessoas famintas, sitiadas pela ocupação e privadas de alimentos e remédios por cerca de 90 dias, invadiram essas áreas em uma cena trágica e dolorosa", disse o comunicado.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, itiu que houve uma "perda momentânea de controle" no centro, mas que tudo estava "sob controle" novamente.
A entrada de ajuda no enclave palestino foi retomada de forma limitada somente na semana ada, após 78 dias de bloqueio.
Entretanto, desde que fez a parceria com a GHF, Israel autorizou apenas quatro centros de distribuição — três na região de Rafah e um no Corredor Netzarim, ao sul da Cidade de Gaza — para atender os cerca de 2 milhões de habitantes de Gaza, dizendo que seu objetivo é manter os suprimentos fora do alcance do Hamas.
A fundação tem sido acusada de ajudar Israel a atingir seus objetivos militares, excluindo os palestinos, ignorando o sistema da ONU e desconsiderando os princípios humanitários.
''De partir o coração'
As imagens desta terça-feira no centro de distribuição são "de partir o coração", disse o porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres.
"Como o secretário-geral observou na semana ada, nós e nossos parceiros temos um plano detalhado, baseado em princípios e operacionalmente sólido, endossado pelos Estados-membros, para entregar ajuda a essas populações desesperadas", disse em nota Stéphane Dujarric.
Registrada em Genebra em fevereiro, a GHF não tem escritórios ou representantes locais. Seu ex-presidente-executivo, Jake Wood, anunciou sua renúncia no domingo, dizendo que era impossível fazer seu trabalho respeitando os princípios humanitários.
A GHF declarou que a distribuição é realizada em "centros de distribuição seguros", mas alguns trabalhadores humanitários argumentam que designar locais de distribuição seguros contraria o princípio da humanidade, porque força pessoas já deslocadas a se mudarem novamente para sobreviver.
"Por mais que eu queira ir porque estou com fome e meus filhos estão com fome, estou com medo", disse Abu Ahmed, 55, pai de sete filhos, em uma mensagem no aplicativo de bate-papo WhatsApp citada pela agência Reuters. "Estou com muito medo porque disseram que a empresa pertence a Israel e é mercenária, e também porque a resistência [Hamas] disse para não ir".
O porta-voz do Escritório Humanitário da ONU (Ocha, na sigla em inglês), Jens Laerke, criticou o modelo da GHF nesta terça-feira, chamando-o de "distração". "Não participamos desta modalidade pelas razões apresentadas. É uma distração do que é realmente necessário (...)", disse, pedindo a reabertura de todas as agens para Gaza e mais aprovações israelenses para suprimentos de emergência.
Alguns críticos também questionam quem determinou a localização dos pontos de distribuição, especialmente à luz dos planos de Israel de "conquistar" a Faixa de Gaza.
Em um artigo de 24 de maio, o The New York Times, citando autoridades israelenses não identificadas, relatou que um novo plano de ajuda apoiado pelos EUA para Gaza havia sido "concebido e desenvolvido em grande parte por israelenses como uma forma de minar o Hamas".
O Exército israelense está travando uma guerra contra o Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007, após o ataque a Israel em 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de 1.218 pessoas, a maioria civis, de acordo com uma contagem baseada em dados oficiais.
Naquele dia, também sequestraram 251 pessoas, 57 das quais permanecem em Gaza. Destes, 34 foram declarados mortos, segundo o Exército israelense.
A ofensiva militar israelense em resposta ao ataque matou mais de 53.977 palestinos, a maioria civis, de acordo com dados do Ministério da Saúde de Gaza, que a ONU considera confiáveis.