"Eu não promovi, eu difundi": entrevista de Milei para justificar incentivo criptomoeda
Trecho cortado (e posteriormente vazado) de entrevista mostra que assessor impediu que o presidente respondesse se o problema era público ou privado
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O presidente da Argentina, Javier Milei, voltou a ser alvo de múltiplas críticas nesta terça-feira, após uma tentativa de explicar os motivos que o levaram a incentivar a compra de uma criptomoeda que rapidamente perdeu valor e desfalcou financeiramente milhares de pessoas — que especialistas dizem ter características de um esquema fraudulento de pirâmide.
Os argumentos utilizados pelo presidente em uma entrevista exclusiva ao canal argentino Todo Noticias e uma interrupção da entrevista por um de seus aliados, alegando que o tema poderia implicá-lo judicialmente, abriram uma nova frente na crise que já motivou a abertura de uma investigação.
Em um trecho da gravação original da entrevista concedida ao jornalista Jonatan Viale — que não foi ao ar e provavelmente foi vazado, repercutindo nas redes sociais —, um assessor de Milei, Santiago Caputo, interrompe o diálogo enquanto o presidente era inquirido sobre como pretendia se defender das investigações abertas.
Milei tenta justificar que usou sua conta pessoal para a publicação da postagem sobre a criptomoeda, mas ao mesmo tempo afirma que quem deve entender melhor qual a estratégia de defesa a ser adotada é o ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona. Quando Milei é questionado se a questão é pessoal ou de Estado, ocorre a interrupção.
Caputo entra no quadro da gravação e pede que a entrevista seja interrompida. Ele se aproxima de Milei e sussurra algo em seu ouvido. Então pede para o jornalista volte a perguntar, sendo atendido.
— Eu entendo. Eu percebo. Isso poderia causar uma confusão jurídica — afirma Viale.
O trecho da entrevista provocou uma reação imediata da oposição e de setores da sociedade. Nas redes sociais, a hashtag #MileiEstafador (Milei Golpista, em tradução livre) foi amplamente compartilhado em publicações contrárias ao presidente.
"Quero reconhecer que você continua sendo o protagonista de acontecimentos sem precedentes nesta Argentina que já viu quase tudo. Eles marcaram uma entrevista para você limpar sua imagem, trouxeram um amigo 'jornalista', planejaram as perguntas para você e intervieram na entrevista porque o que você disse 'poderia levar a uma CONFUSÃO JUDICIAL'. EU NUNCA VI ALGO ASSIM ANTES!", escreveu a ex-presidente Cristina Kirchner em uma publicação na rede social X.
Dada a repercussão do episódio, o governo argentino tentou se justificar. O porta-voz Manuel Adorni disse que "não havia nada de errado" com o fragmento que não foi ao ar, apesar de opinar que a atitude de Caputo foi desnecessária. O chefe de gabinete Guillermo Franco disse que “muitas vezes acontece que há correções em notas registradas”, enquanto o citado Cúneo Libarona. disse que "notas gravadas" servem para "evitar qualquer erro".
Comparação com Cassino
Ao longo da entrevista na segunda-feira, Milei tentou relativizar sua participação na crise envolvendo a criptomoeda $LIBRA, a qual incentivou a compra em uma publicação na rede social X na sexta-feira, e posteriormente apagou.
Ele afirmou que o número de pessoas lesadas pelo esquema foi muito menor do que o alegado, por haver muitos "bots" envolvidos nas compras, e que a grande maioria dos prejudicados sequer seriam argentinos. Também afirmou que quem se envolveu na compra da $LIBRA sabia do risco envolvido.
— Todos os que entraram [na compra da moeda], o que fizeram de maneira voluntária, sabiam muito bem no que estavam entrando. São operadores de volatilidade. Sabiam muito bem o risco que corriam. Se você vai a um cassino e perde o dinheiro, é problema seu. É um problema entre particulares. O Estado não tem nenhuma participação — afirmou Milei na entrevista. — Eu não promovi, eu difundi.
O ativo, que estava concentrado em sua grande maioria (82%) nas mãos de cinco carteiras digitais, saltou de US$ 0,25 para US$ 5,54 em questão de minutos, movimentando milhões de dólares. Uma hora após a postagem do presidente, houve uma retirada de US$ 107 milhões, fazendo o valor despencar. Estima-se que mais de 40 mil pessoas foram afetadas. (Com La Nación)