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opinião

A guerra fiscal do ICMS: um IVA capenga

A federação brasileira sob a égide do ICMS tem experimentado uma disputa por alocação de recursos privados. Essa disputa - a guerra fiscal – decorre de concessões de benefícios e incentivos fiscais e financeiros, à revelia da lei, relacionadas com esse imposto. A guerra fiscal travada pelos Estados, deve-se em grande medida à ausência de uma política nacional de desenvolvimento. Assim, os Estados lançaram-se nessa disputa empregando o instrumento disponível, o ICMS, apesar de inadequado para a referida função indutora.

A Lei Complementar (LC) nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), regulamentou o ICMS,  aproximando-o do conceito de um imposto do tipo IVA. Essa aproximação se deu em razão de  três características econômicas introduzidas por essa Lei: i) ficou assegurado ao sujeito ivo  o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado  a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte  interestadual e intermunicipal ou de comunicação; ii) possibilitou um IVA tipo consumo, ao permitir a apropriação dos créditos dos ativos necessários à manutenção da atividade da empresa - o ativo imobilizado - do contribuinte do imposto; iii)  adotou o princípio do destino nas exportações, ao isentar as operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados  semielaborados, ou serviços.

Por seu turno, a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, que dispõe sobre os convênios para as concessões de benefícios e incentivos fiscais e financeiros do ICMS (LC nº 24/75), como redução da base de cálculo do imposto, concessão de crédito presumido e toda a sorte de favores fiscais que objetivem a redução do ônus fiscal, exige decisão unânime dos Estados representados, e a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de (4/5) quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. A inobservância dos dispositivos da Lei enseja a nulidade do ato de concessão do benefício ou remissão de débitos, a ineficácia do crédito fiscal, a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido, além da presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício e a suspensão do pagamento de quotas de fundos de participação ou fundos especiais.

Contudo a Lei Kandir e a LC nº 24/75, apesar de seus mecanismos legais, não lograram o êxito para evitar a guerra fiscal entre os Estados.

Com efeito, a característica de um IVA tipo consumo foi mitigada em razão dos vários adiamentos para o início da sua eficácia para a apropriação dos créditos do ICMS anteriormente  cobrado em operações resultantes da entrada de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento adquirente. Inicialmente, a eficácia do direito ao crédito estava prevista para iniciar em 1º de janeiro de 1998, mas, em razão da LC nº 92/1997, ficou adiado o seu início para 1º de janeiro de 2000; com a LC nº 99/1999, ficou prorrogado para 1º de janeiro de 2003; Com a LC nº 114/2002, ou  o início para 1ºde janeiro de 2007; A LC  nº 122/ 2006, promoveu mais um adiamento para 1º de janeiro de 2011; com a LC nº 138/ 2010, ou para 1º de janeiro de 2020; por fim, com a LC nº 171/2019, o  início da eficácia para o aproveitamento dos créditos foi prorrogado para 1º de janeiro de  2033.

Todavia, o art. 129 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela EC nº 132/2023 (Reforma Tributária), estabelece a extinção do ICMS a partir de 2033, dando lugar ao IBS, o que tornou, com esses constantes adiamentos   do direito ao crédito das operações com mercadorias destinadas ao uso ou consumo  do estabelecimento adquirente, uma medida ineficaz.

Apesar das condições rígidas para a concessão de favores fiscais e da previsão de penalidades em razão da inobservância de tais critérios concessivos, por quase cinquenta anos  de existência da LC nº 24/75, favorecida pela falta de implementação de um IVA tipo consumo, a guerra fiscal continua sem a imposição das sanções previstas. A guerra fiscal do ICMS entre os entes federados é um sintoma de um IVA capenga, que a Reforma Tributária a partir do IBS busca evitar. Será?


 

* Mestre e doutor em Direito. Professor da Universidade Católica de Pernambuco, na graduação e no Mestrado Profissional em Direito e Inovação (PPGDI)


** Auditor fiscal do Tesouro Estadual. Especialista em Direito Tributário e mestrando em Direito na Universidade Católica de Pernambuco

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