A-A+OPINIÃOA última geração de aposentados? Dia 21 de maio, o Parlamento da Dinamarca aprovou uma reforma que eleva para 70 anos a idade mínima de aposentadoria - a mais alta já formalizada por qualquer país do mundo. A nova regra, que se aplicará aos nascidos após 1970, tal fato consolida a ideia de que não há previdência sustentável sem encarar a matemática demográfica de frente. A justificativa não é ideológica, é aritmética. Com menos nascimentos, maior longevidade e uma proporção crescente de idosos fora da força de trabalho, os sistemas públicos de bem-estar - mesmo os mais robustos - se tornam financeiramente insustentáveis. A ministra do Trabalho dinamarquesa foi direta: ou se adia a aposentadoria, ou se quebra a promessa de proteção às próximas gerações. Mas essa decisão, embora corajosa, expõe um dilema mais profundo, que transcende a Dinamarca. Talvez estejamos, sem perceber, assistindo à última geração que poderá se aposentar como conhecemos. Não por colapso do Estado, mas por uma transformação radical no mundo do trabalho, da renda e da própria ideia de “fim da vida laboral”. Pensemos no Brasil. Nossa reforma previdenciária de 2019 foi necessária, mas insuficiente. Fixamos idades mínimas (65 para homens, 62 para mulheres), mas a questão continua grave: milhões de trabalhadores que vivem à margem do sistema contributivo. O IBGE estima que mais de 39% da população ocupada está na informalidade - um dado que, por si só, inviabiliza qualquer projeção previdenciária otimista. Mais do que isso: o emprego formal, contínuo e estável está em declínio estrutural. A revolução digital e a inteligência artificial estão extinguindo profissões antes consideradas estáveis, enquanto novas formas de ocupação surgem com baixa proteção, alta rotatividade e vínculos intermitentes. A lógica de uma carreira de 35 anos, com contribuição mensal e aposentadoria integral, soa cada vez mais como algo do ado, criado no século XX. É aqui que o paradoxo se impõe: vivemos mais, mas acumulamos menos proteção previdenciária ao longo da vida laboral. E para a maioria dos brasileiros, trabalhar muito não significa estar protegido. O número de horas trabalhadas pode ser alto, mas a capacidade de poupança, contribuição e o à aposentadoria digna é cada vez mais restrita. E há outro ponto, frequentemente ignorado no debate técnico: não sabemos como será o mercado de trabalho em 20 anos. A própria OCDE, no projeto Future of Education and Skills 2030, adverte que os jovens de hoje enfrentarão empregos ainda não existentes, com tecnologias ainda não inventadas, para resolver problemas que ainda não conhecemos. Nesse contexto, os desafios para pais, educadores e formuladores de políticas são imensos. Preparar uma criança para um futuro que não existirá é um dos erros mais caros que uma sociedade pode cometer. A Dinamarca talvez esteja só se antecipando ao inevitável. E sua decisão não deve ser vista apenas como um gesto de austeridade e responsabilidade fiscal, mas como um alerta ao mundo: a longevidade exige escolhas difíceis - e compromisso intergeracional. Para o Brasil, o recado é ainda mais urgente. A agenda não é só previdenciária. É educacional, fiscal e produtiva. Significa formar capital humano com capacidade de gerar excedente, incentivar poupança de longo prazo, proteger as novas formas de trabalho e expandir a cobertura da previdência complementar. Significa, em outras palavras, repensar o futuro com base na única certeza que temos: ele será profundamente diferente do presente. No fim, a pergunta essencial não é mais “quando vamos nos aposentar?”, mas sim: “quem ainda poderá se aposentar?” Reportar Erro window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({ mode: 'alternating-thumbnails-a', container: 'taboola-below-article-thumbnails', placement: 'Below Article Thumbnails', target_type: 'mix' }); Newsletter