Delírio multicor
Na minha terra, há uma época do ano em que se vive uma distopia às avessas; um enredo nonsense que nem Alice e o Chapeleiro Maluco sonhariam estrelar; um realismo mágico que, de tão delirante, nem García Márquez chegaria a imaginar.
Aqui, nesse período, o povo se espalha todo para se juntar; vai à rua para se apertar; se arruma inteiro para se desarrumar.
Gigantes ocupam as vias; um galo colossal paira sobre o rio; sombrinhas colorê brotam do chão fervente.
Trombones, trompetes, taróis e tambores trombam em becos e vielas, e o canto das ladeiras se ouve nos quatro cantos da minha terra.
Sob o sol de rachar, tem de tudo: vassourinhas, ceroula, pitombeira, flores, madeira, cupim, elefante, ursa, cobra, aranha, lobisomem, jacaré, um bicho maluco beleza e até algumas virgens — mas tudo isso sob batutas: entre elas, a de um fidalgo que impera à noite e a de uma jovem faceira que reina de dia. E quer saber? Eu acho é pouco!
Caboclinho lança flecha, caboclo empunha lança, papangu “pinta mizéra” e o rei balança a pança.
Por estas bandas, durante essa temporada, a ordem é o furdunço. E mesmo quando esse devaneio acaba, ele acaba mais ou menos, pois bacalhau vira o ório e batata o principal.
Enfim, na terra dos altos coqueiros, no mês mais curto do ano, os bravos guerreiros se rendem ao delírio multicor: o Carnaval de Pernambuco — em que se sente, se dança e se é.
* Advogado criminalista.
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