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opinião

Justa causa no WhatsApp corporativo: até onde vai o poder da chefia?

Recentemente, a Justiça do Trabalho de Belo Horizonte proferiu uma decisão que ilustra de uma ótima forma o debate a respeito dos limites do poder disciplinar do empregador. Afinal, como os trabalhadores e as empresas podem fazer um uso responsável das ferramentas digitais no ambiente profissional?

O caso envolveu um empregado com mais de 13 anos de vínculo com a empresa, dispensado por justa causa após enviar figurinhas em um grupo de WhatsApp corporativo. As mensagens foram postadas em resposta a um comunicado que informava o atraso no pagamento de salários, situação que, por si só, já fragilizava a relação de confiança entre empresa e empregados.

Na análise do magistrado Marcelo Oliveira da Silva, ficou evidente que o comportamento do trabalhador, embora possa ter gerado desconforto, não alcançou a gravidade necessária para justificar a penalidade máxima no direito do trabalho. A justa causa, como se sabe, é medida extrema, reservada a atos de tal gravidade que tornem impossível a continuidade do vínculo empregatício.

Sob esse prisma, a reversão da demissão para dispensa sem justa causa foi acertada, garantindo ao trabalhador o recebimento de todas as verbas rescisórias, o o ao FGTS e ao seguro-desemprego.

O grande ponto é que situações como esta exigem ponderação e proporcionalidade. Uma advertência formal teria sido suficiente para repreender o comportamento.

Aplicar de imediato a pena mais severa, sem uma gradação de sanções, afronta princípios basilares do direito do trabalho, como a razoabilidade na aplicação de penalidades.

Além disso, é preciso pontuar que outros empregados também enviaram figurinhas no grupo e não foram penalizados, demonstrando evidente tratamento desigual entre os trabalhadores – afrontando outro princípio indispensável nas relações de trabalho: a isonomia.

E, no caso concreto, o regulamento interno da empresa não vedava expressamente o envio de figurinhas, salvo aquelas de teor ofensivo, discriminatório ou sexual, o que não se verificou no caso concreto.

Assim, o argumento patronal de que o episódio teria gerado "caos" no ambiente de trabalho não encontrou respaldo nas provas. Em matéria de justa causa, a legislação exige não apenas a comprovação da falta, mas também a sua gravidade e a imediata reação do empregador, requisitos que, manifestamente, não se fizeram presentes.

Por fim, aqui vemos um caso que demonstra que, embora o ambiente digital traga novos desafios às relações laborais, os princípios que regem o contrato de trabalho — como o respeito, a dignidade e a proporcionalidade — permanecem vigentes.

O trabalhador deve, sim, manter a urbanidade no uso das plataformas digitais corporativas. Por outro lado, a empresa não pode se exceder no seu poder disciplinar, utilizando a justa causa como instrumento de represália, sobretudo em situações nas quais suas próprias falhas, como o atraso de salários, estão na origem do problema.

A Justiça do Trabalho, ao anular a demissão por justa causa, está correta ao buscar equilibrar os interesses em jogo e reafirma que o poder empregatício encontra limites na boa-fé, na lealdade e na dignidade da pessoa humana.

No final das contas, o importante é que tanto trabalhadores como a chefia prezem pelo bom senso e pela observância dos princípios legais nas relações de trabalho. É preciso compreender os ambientes digitais como uma extensão do ambiente físico de trabalho. Do contrato, a situação será judicializada.


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