Os malefícios dos filmes dublados e o uso da inteligência artificial
Na década de 1930, após o impacto da conversão definitiva de Hollywood para o cinema sonoro, a dublagem já tinha se consolidado nos principais mercados internacionais de filmes norte-americanos. Com o barateamento e a melhoria técnica desse processo, a França, Alemanha e Itália, entre outros, em função dos seus regimes nacionalistas, criaram leis obrigando a implementação da dublagem em seus territórios.
No Brasil, na transição do cinema mudo para o cinema falado – 1929 a 1936 – também existiram defensores da obrigatoriedade da dublagem, para esconjurar o perigo da desnacionalização do nosso idioma. Merece registro um editorial da revista Cinearte, de novembro de 1931. Quem se deleita ao ler Flaubert, Mauant e tantos outros não é por isso que deixava de irar e amar a nossa língua, a mesma língua em que escreveu Machado de Assis. Quem entender inglês gozará com os filmes falados em inglês. Quem não entender lerá as legendas superpostas. E disso mal não virá, nem com a língua dos nossos filhos. E que aprendamos inglês com o filme (como se isso fosse possível) será vantagem e não pequena. Ao menos poderemos ler Shakespeare ou Mark Twain, no original, conforme os gostos.
Nesse período, Henrique de Almeida Filho, dono de uma empresa sediada em New York, chegou a fazer dublagens em português para alguns longas-metragens da Paramount lançados no Brasil. A controvérsia persistiu e o mesmo crítico da Cinearte assim se manifestou: Para que o processo dubbing fosse uma coisa viável entre nós, preciso era que não conhecêssemos as vozes dos artistas e, principalmente, só tivéssemos assistido filmes assim. [...] dessa forma, acharíamos natural aquelas inflexões forçadas e possível de apreciar a nossa língua substituindo a fala em inglês [...] A mudança das inflexões das vozes, o desencontro de certos momentos, nos movimentos labiais perturbam todo filme e ninguém o poderá apreciar nos seus verdadeiros méritos. Tem razão o comentarista, de par com a realidade contemporânea, máxime a de Hollywood, cujo os filmes vêm sendo exibidos sob dublagem. Na TV aberta são sempre dublados, por força do interesse de atingir toda a plateia nacional, formada em grande parte por analfabetos, semianalfabetos e os analfabetos informais.
Em 2022, havia, no país, 163 milhões de pessoas de 15 anos ou mais de idade, das quais 151,5 milhões sabiam ler e escrever um bilhete simples e 11,4 milhões não sabiam. Ou seja, a taxa de alfabetização foi 93,0% em 2022, e a taxa de analfabetismo foi 7,0% deste contingente populacional. As estatísticas demonstram que boa parte daqueles, não consegue ler as legendas em português, por falta de agilidade intelectual. Agora pergunto aos economistas, o que significa ser, o Brasil, considerado a 10ª economia do mundo, com estes indicadores de ignorância? Nos dias atuais, o advento da Inteligência Artificial tornou-se um divisor de águas em relação à cognição humana. A IA é um campo de ciência, que permite máquinas simulem a inteligência humana.
É largamente utilizada em diversos setores produtivos – Empresas, Mercado Financeiro, Saúde, Medicina, Direito, Advocacia e Educação, etc.... E até nas telas, senão vejamos: estreou, em circuito nacional, O Brutalista (The Brutalist, Estados Unidos–Reino Unido–Canadá, 2024), drama histórico, pesado, que exige atenção para compreende-lo, e divide opiniões – afinal, tem 3 horas e 34 minutos de duração. Eis a principal polêmica que está repercutindo: os produtores revelaram que foi usada a Inteligência Artificial para aperfeiçoar o sotaque nas falas dos protagonistas, em húngaro. Com efeito, não vejo nada de errado os produtores terem usado a IA. Afinal, a cirúrgica intervenção não macula a obra; pelo contrário, aperfeiçoa. Como se vê, essa polêmica não nos parece à altura da grandeza do filme, que está concorrendo ao Oscar 2025.
A verdade, é que, a grande maioria dos filmes em línguas estrangeiras, vem sendo exibidos dublados, aqui no Brasil. Como se vê, o prejuízo cultural, intelectual e cognitivo, continua, não sendo desarrazoado, imaginar-se, que daqui a algum tempo, teremos poucas oportunidades de ir ao cinema para assistir um filme legendado, ouvindo a voz e vendo as expressões gestuais e faciais dos protagonistas. O homem se adapta, os cinéfilos também, mas talvez, nem tanto. Vida que segue. Vamos aguardar.
* Advogado.
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