São Francisco de Salvador - Bahia
Os conventos construídos pelos franciscanos no Nordeste do Brasil, entre Salvador e João Pessoa, revelam características singulares na arquitetura religiosa em nossa região, apresentando notável similitude entre eles. Conforme Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão – cronista da Ordem franciscana – o arquiteto mais antigo da Ordem foi o Frei Francisco dos Santos autor do projeto da igreja de Nossa Senhora das Neves, em Olinda, em 1585, sendo este convento o mais antigo edifício da Ordem no País. Com o açúcar ainda produzindo riqueza no final do século XVII, cuja produção agora dividida entre o mercado internacional e as necessidades da população, no início do ciclo do ouro, a Bahia ganha destaque nas suas criações artísticas, continuando a construir e a produzir uma arte segundo modelos vindos da Metrópole, enquanto nas Minas Gerais as manifestações artísticas eram reformuladas, surgindo um barroquismo autônomo.
O primeiro convento franciscano, da Bahia, datado de 1587, foi inteiramente destruído durante a ocupação holandesa, em 1624. Em 1686, Frei Vicente das Chagas, iniciou as obras de um novo convento com um grandioso claustro em seu interior, cercado por dormitórios. Em 1708, tiveram início as obras de uma ampla igreja com o risco de três naves: uma central bem mais elevada que as duas laterais, sob a orientação do mestre Manoel de Quaresma. Em 1710, Frei Hilário da Visitação prosseguiu com as obras de construção da igreja, promovendo a Consagração do templo. Os trabalhos de talha da sacristia e das naves são executados pelo frade escultor Frei Luis de Jesus, um dos mestres daquela época.
Em 1723, finalizam-se as obras da igreja, inclusive do frontão e do frontispício, prosseguindo-se com pintura, decoração e douramento. O magnífico teto (forro da nave), pintado e dourado foi realizado pelo Frei Jerônimo da Graça, entre 1733 e 1737. Nesta mesma data, na capela-mor, foram aplicados os azulejos de autoria do mestre Bartolomeu Antunes de Jesus, vindos de Lisboa. Entre 1738 e 1740, foram realizados douramentos na capela-mor e nos dois altares laterais de Nossa Senhora da Conceição de Santo Antônio e o retábulo do Coração de Jesus no cruzeiro, do lado da Epístola.
Prosseguem os trabalhos de pintura e douramento até 1752, quando são aplicados os azulejos que decoram as galerias do claustro. Finalizando os serviços, segundo Frei Jaboatão, grande parte do mobiliário do coro e os móveis da sacristia, foram confeccionados pelo Frei Luís de Jesus, da Bahia, conhecido por “O Torneiro”, devido às suas habilidades como um dos maiores entalhadores da região. O livro “Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil’’, do mestre Germain Bazin, volume 2, págs. 37 e 38, revela uma cronologia perfeita do edifício.
Não é “privilégio”, somente da Bahia, ter grande parte dos seus edifícios sagrados ou civis arruinados ou comprometidos, como exemplares do Patrimônio Histórico, localizados nos seus diversos Sítios Históricos. Inúmeros são os exemplos significativos, símbolos da nossa memória, monumentos do ado que clamam, pedem e imploram por socorro, pela sua preservação, nas cidades históricas do país. O desabamento do forro da nave da Igreja de São Francisco de Salvador, no último dia 5 de fevereiro, quando veio a óbito uma turista de São Paulo, revela a ausência de proteção, de cuidados e de conservação desses edifícios (a conservação é a intervenção que visa resguardar o monumento de dano, de deterioração e de decadência.
A conservação consiste em ações de manutenção, limpeza, reparos e outras de caráter preventivo. A restauração é a intervenção que objetiva recuperar o monumento do dano. Consiste no restabelecimento – através de ações de substituição, modificação e eliminação – de elementos destruídos, danificados e descaracterizados. É uma atitude de caráter corretivo), e afeta e põe em risco não somente os visitantes que estão a irá-los, mas, também, a memória da cidade histórica. E, pelo que têm revelado as reportagens posteriores ao ocorrido, a situação na Bahia é de profunda temeridade, haja vista o número de edifícios danificados. No dia 11 de fevereiro deste ano, o Diario de Pernambuco publicou uma matéria sobre Patrimônio (de autoria das jornalistas Nicolle Gomes e Tatiana Notaro), a qual revelava: Pernambuco tem 16 igrejas históricas em estado ruim ou péssimo – número foi apontado pelo Relatório de Bens Materiais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que indica que 100 imóveis religiosos estão nesse cenário no Brasil. Em suas páginas, revelou o Relatório alguns edifícios em ”estado ruim”, em diversos sítios históricos do Estado, alinhando-se, de certa forma, àquele Estado. Lamentavelmente, esse número deve ser muito maior.
A cidade histórica, eu entendo que é o lugar digno de conservação, não somente por reunir inúmeros monumentos em seu espaço ambiental, mas pelo reconhecimento da história e dos testemunhos do ado, e que a proteção desses edifícios deve se estender por toda a cidade histórica e não apenas às suas áreas monumentais.
Cidades como Salvador, Olinda e o Recife encerram, em seus centros históricos, inúmeros edifícios dos séculos XVI e XVII, os quais trazem em suas composições elementos e adornos riquíssimos da arquitetura colonial brasileira, não podem ser olhados com desprezo nem com improvisações.
* Arquiteto, membro do Cento de Estudos de História Municipal, membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e professor titular da Universidade Federal de Pernambuco.
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