Bolsonaro revê Mauro Cid pela 1ª vez desde que ex-auxiliar delatou plano de golpe
Ex-ajudante de ordens abre hoje fase de depoimentos dos réus em ação penal na Primeira Turma do STF
Pouco mais de dois meses após tornar réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados por tentativa de golpe, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia hoje a fase de interrogatório dos acusados. Os depoimentos serão conduzidos pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, que ficará pela primeira vez frente a frente com o ex-chefe do Palácio do Planalto, que o acusa de perseguição.
Embora deva estar presente ao longo da sessão de hoje, a previsão na Corte, porém, é que Bolsonaro só seja interrogado a partir da terça-feira. O primeiro a ser ouvido será o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que firmou um acordo de delação premiada.
O ex-presidente ou o fim de semana em São Paulo, onde se reuniu com advogados para se preparar para o interrogatório. Ele ficou hospedado no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, comandado pelo aliado Tarcísio de Freitas. No sábado, circulou pela cidade e tirou fotos com apoiadores em uma padaria.
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Papel de cada um
O ex-presidente convocou apoiadores para acompanhar a sessão, que será transmitida ao vivo pela TV Justiça. Na sexta-feira, em um evento do PL, afirmou que não irá “lacrar” em seu depoimento à Corte.
Os interrogatórios ocorrerão na sala da Primeira Turma do STF, e todos os réus participam presencialmente, com exceção do ex-ministro Walter Braga Netto, que está preso preventivamente, no Rio de Janeiro, e por isso acompanha por videoconferência. Também serão ouvidos os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o tenente-coronel Mauro Cid.
Os oito alvos são réus por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Para receber a maratona de interrogatórios, haverá uma “adaptação” arquitetônica na sala de sessões da Primeira Turma. O púlpito onde os advogados fazem as suas sustentações orais será substituído pela primeira vez por uma mesa onde ficarão os réus que estiverem prestando depoimento. Os demais acusados ficarão sentados logo atrás, lado a lado, acompanhados por suas defesas.
A alteração na geografia da sala coloca no centro do plenário os réus, que serão interrogados por Moraes, e fará com que todos eles fiquem próximos, apesar da proibição para que eles se falem ou mantenham contato. Isso significa que Bolsonaro e Mauro Cid irão se encontrar e ficar na mesma sala pela primeira vez após o ex-ajudante de ordens firmar um acordo de delação premiada.
Atrás da mesa onde ficará a pessoa interrogada, outras oito mesas estarão colocadas uma ao lado da outra, para cada um dos réus, que precisam estar de forma simultânea vendo todos os demais depoimentos. Atrás deles estará um outro espaço, reservado aos advogados de defesa.
No lugar reservado aos ministros do STF que integram a Primeira Turma estarão as três pessoas que compõem os interrogatórios: além de Moraes, que estará no centro do plenário, à esquerda ficará sentado o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e à direita a chefe de gabinete do magistrado, Cristina Yukiko Kusaha Gomes.
A adaptação de um plenário para uma sala de interrogatórios também acarretará em uma mudança na segurança do prédio onde ficam as Turmas do STF, conhecido como “igrejinha”. A segurança do local será reforçada, com a realização de varreduras pela Polícia Judicial, e apenas pessoas previamente cadastradas poderão entrar no prédio.
Cid será o primeiro a falar pois, como o conteúdo de sua fala pode ser utilizada na acusação contra os demais réus, a legislação determina que o delator seja ouvido antes, para que os outros saibam o conteúdo.
Em seu acordo, Cid narrou a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — de que foi ajudante de ordens — e de outras autoridades em discussões de medidas de teor golpista. Sua defesa, no entanto, tenta diminuir a atuação dele e alega que o militar estava apenas desempenhando seu papel funcional.
Um dos principais pontos de sua delação, confirmado posteriormente por outros elementos de provas, foram as reuniões de Bolsonaro com os então comandantes das Forças Armadas, em que o ex-presidente teria discutido medidas como Estado de Defesa ou de Sítio ou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Ouvidos como testemunha na fase anterior do processo, os ex-comandantes Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica), confirmaram os encontros no Palácio da Alvorada e as discussões sobre uma minuta golpista. Os dois já haviam prestado depoimento à Polícia Federal nos quais relataram que se opam a medidas apresentadas por Bolsonaro que poderiam reverter o resultado das eleições.
Outro ponto da delação de Cid, complementado em um depoimento posterior, foi a participação de Braga Netto nos planos. O ex-ajudante de ordens afirmou que o ex-ministro entregou dinheiro, dentro de uma sacola de vinho, que seria utilizado em um plano para matar autoridades. Essa relato ajudou a embasar a decisão que determinou a prisão preventiva do ex-ministro, que segue valendo.
Na defesa prévia da ação penal, apresentada após o recebimento da denúncia da PGR, os advogados de Cid afirmaram que “estava apenas desempenhando sua função de ajudante de ordens da Presidência da República, cumprindo, portanto, seu dever legal”.
Depois de Cid, os depoimentos seguirão a ordem alfabética: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Dinâmica das sessões
Em cada interrogatório, o primeiro a fazer perguntas será Moraes, seguido pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Depois, a defesa do próprio réu faz questionamentos. Os advogados dos demais acusados também podem elaborar perguntas, seguindo a ordem alfabética.
Diferentemente das testemunhas, os réus poderão optar por ficar em silêncio e essa decisão não pode ser utilizada para prejudicá-los. Moraes reservou horários todos os dias da semana para ouvir os réus e, caso seja preciso, poderá agendar novas datas na semana que vem
Após finalizados os interrogatórios, o relator novamente irá abrir um prazo para que acusação e defesas se posicionem no processo, nas chamadas alegações finais. Novamente, em razão da delação firmada por Cid, a ordem de apresentação deverá privilegiar as defesas: com isso, a PGR irá apresentar seus argumentos finais, seguida pelo ex-ajudante de ordens e, por fim, por todas as defesas dos réus.
Essa é a última fase do processo antes do julgamento, que será realizado com a leitura do relatório de Moraes, além do seu voto e dos outros quatro integrantes da Turma, os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia, pela condenação ou absolvição dos réus.
A expectativa na Corte é que o julgamento ocorra ainda neste ano, para evitar que seja contaminado pelas campanhas eleitorais de 2026.