Impulsionados pela falta de legislação nacional, governadores que miram o Planalto apostam na IA
Ausência de legislação nacional para a Inteligência Artificial impulsiona estados a criarem regras próprias
Enquanto a comissão especial da Câmara dos Deputados começa os trabalhos para discutir um marco legal para a Inteligência Artificial, governadores que se posicionam para disputar a Presidência da República em 2026 têm avançado com regulações próprias sobre o tema em seus estados e usado a IA para ganho político próprio.
A movimentação, liderada pelos governadores Ronaldo Caiado (União), de Goiás, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, e Eduardo Leite (PSD), do Rio Grande do Sul, seguida por Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, tem um olho no interesse econômico, com a atração de investimentos em tecnologia para seus estados, e outro na construção de uma imagem pública de gestor inovador. Apontam, sempre que podem, o contraste com a abordagem da regulação nacional, centrada na mitigação de riscos, com crítica direcionada ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), possível adversário nas urnas em 2026.
No início do mês, a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou por unanimidade projeto de autoria de Caiado que cria a Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial. O texto, que aguarda sanção, inclui a IA no currículo escolar da rede estadual e prevê incentivos para atração de data centers. Também propõe a criação de um centro estadual de computação, para treinar modelos de Inteligência Artificial.
Em discursos, Caiado, que já se lançou pré-candidato à Presidência, faz contraposição clara ao modelo de regulação defendido pelo governo federal, em especial a priorização do controle de dados da IA, refletido em projeto de lei aprovado pelo Senado, em debate na Câmara.
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Em um evento em São Paulo, em maio, Caiado fez questão de relatar ter recebido elogios de um executivo da Amazon sobre o projeto. A conversa, segundo ele, aconteceu durante visita a Nova York, onde o governador aproveitou para visitar escritórios do Google.
— Ouvi do empresário da Amazon: “Governador, com a lei que está hoje no Congresso Nacional, todos nós deixaremos o Brasil. Ninguém vai investir em Inteligência Artificial. Nós queremos exatamente a lei que o senhor apresentou em Goiás” — relatou o governador aos jornalistas.
Antes de Caiado, outro governador que mira o Planalto já havia avançado numa regulação própria para a Inteligência Artificial. Em abril, Ratinho Júnior sancionou lei com diretrizes para o uso da tecnologia na istração pública.
A legislação prevê, entre outras medidas, ações voltadas à capacitação de servidores e modernização da infraestrutura. Também cria uma pasta dedicada à IA, a Secretaria da Inovação e Inteligência Artificial. O discurso é ambicioso: fazer do Paraná “referência nacional na área”, informa o titular da pasta, Alex Canziani.
A movimentação dos governadores ocorre num momento em que ainda há indefinição sobre o rumo da regulação federal de IA, que é discutida em comissão especial na Câmara. O texto analisado é o PL 2338, aprovado no ano ado no Senado, e alvo da oposição por ser considerado restritivo. A etapa seguinte é a apreciação no plenário.
Posições opostas
O debate atual reflete a disputa entre duas visões, na avaliação de Leonardo Meira Reis, analista da consultoria de risco Eurasia Group. De um lado, a abordagem mais cautelosa e centrada em riscos, próxima do modelo europeu, que prevalece no projeto que veio do Senado e é adotada pelo governo. Do outro, uma linha mais liberal e pró-inovação, dos governadores de direita.
Na avaliação do pesquisador Pedro Henrique Ramos, a movimentação dos estados ocorre em parte como resposta à ausência de uma política coordenada pelo governo federal. Ele aponta que, em um cenário de disputa internacional por infraestrutura estratégica, como os data centers, a falta de diretrizes nacionais leva estados a buscarem protagonismo por conta própria
— Tem espaço jurídico para isso, principalmente em áreas como educação, serviços públicos e fomento à inovação. A regulação está prevista na Constituição dentro da competência concorrente dos estados— afirma, ao considerar que as regulações locais podem ser positivas para o desenvolvimento tecnológico.
Laura Schertel Mendes, professora do IDP e da UnB, vê com cautela a movimentação dos governadores. No caso da legislação de Goiás, ela avalia que há uma invasão de competências da União nos trechos que tratam de proteção e tratamento de dados pessoais:
— Aos estados cabe adotar políticas de fomento e estabelecer boas práticas no uso da IA na istração pública.
Projeção nacional
Para Leonardo Meira Reis, os governadores interessados em enfrentar Lula nas urnas em 2026 têm usado as regulações locais de IA para se posicionarem politicamente com uma agenda voltada à inovação, em contraste com a abordagem mais restritiva. O movimento também serve para projetá-los nacionalmente em um debate que ainda deve avançar de forma lenta no Congresso.
A corrida dos governadores pela IA a por alianças com grandes empresas de tecnologia. O Paraná firmou no ano ado um acordo com o Google Cloud para aplicar IA em serviços públicos, meses antes da aprovação da nova lei. E o governo de Tarcísio de Freitas, também em parceria com o Google, cedeu um espaço no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), nos arredores da USP, para abrigar em São Paulo um centro de engenharia da big tech, previsto para abrir as portas justamente em 2026.
Pré-candidato pelo PSD, Eduardo Leite é outro governador que aderiu à estratégia de usar a IA como vitrine e buscar apoio de empresas estrangeiras. Em missão oficial aos EUA, na semana ada, ele fechou parcerias com IBM e Salesforce para capacitar jovens e visitou a sede da OpenAI, empresa por trás do ChatGPT. Na última semana, já no Brasil, teve encontro com executivos da Meta para tratar da expansão de cabos submarinos da empresa para o Rio Grande do Sul.
No caso de São Paulo, um dos trunfos do estado é a atração de data centers, já que as grandes empresas de tecnologia costumam buscar locais mais próximos dos grandes mercados consumidores para essas infraestruturas. Hoje, a maior parte dos data centers do país estão no estado. Segundo o governo, São Paulo atraiu R$ 70 bilhões em investimentos para expansão ou instalação de centros de dados em meio à corrida recente da IA.
O tema também está no radar do Ministério da Fazenda. A pasta de Fernando Haddad apresentou a empresas americanas, no início do mês, um esboço da política nacional para a área, com incentivos fiscais para o setor.
Os estados e a Inteligência Artificial
Goiás (atração de data centers): O estado governado por Ronaldo Caiado criou a Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial. O projeto inclui a IA no currículo escolar da rede estadual e prevê incentivos para atração de data centers. Também propõe a criação de um centro estadual de computação, para treinar modelos de Inteligência Artificial.
Rio Grande do Sul (capacitação): Também de olho na projeção que a IA pode proporcionar, o governador Eduardo Leite fechou parcerias com IBM e Salesforce para capacitar jovens e visitou a sede da OpenAI, empresa por trás do ChatGPT. Na última semana, teve encontro com executivos da Meta para tratar da expansão de cabos submarinos da empresa para o Rio Grande do Sul.
Paraná (secretaria de IA): Sancionada pelo governador Ratinho Júnior, a lei com diretrizes para o uso da tecnologia em IA na istração pública prevê, entre outras medidas, ações voltadas à capacitação de servidores e modernização da infraestrutura. Também cria uma pasta dedicada à IA, a Secretaria da Inovação e Inteligência Artificial.