Marina Silva cita dificuldades na articulação contra projeto de licenciamento ambiental
Ministra do Meio Ambiente disse que é preciso haver mobilização popular para que a flexibilização do licenciamento ambiental não seja aprovada
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, itiu que há dificuldades na articulação política contra o projeto, aprovado pelo Senado, que flexibiliza as novas regras de licenciamento ambiental.
Ela destacou que o diálogo com o Congresso continua, mas que essa não foi a primeira derrotado governo em um assunto estratégico. Nesta quarta (21), dois terços dos votos foram de parlamentares da base governista.
— Obviamente que o governo tem uma série de dificuldades em relação a uma base segura de sustentação e isso varia para cada tema. Não é a primeira vez que a gente sofre algumas dessas derrotas, inclusive em agendas que são igualmente estratégicas, mas vamos continuar dialogando o tempo todo com o Congresso — afirmou a ministra.— Temos uma dificuldade, sim, e isso não é segredo para ninguém e que faz com que se tenha um trabalho constante, que vem desde o ministro Padilha, o ministro Rui Costa na Casa Civil e cada um de nós fazendo tudo aquilo que é necessário.
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Em evento de comemoração ao Dia da Biodiversidade, nesta quinta (22) a ministra se referiu à aprovação do projeto como momento de "luto", de "demolição do licenciamento", e explicou que os impactos sequer podem ser mensurados.
— Não podemos retroceder nenhum centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que agora sofreu golpe de morte no Congresso — afirmou a ministra, em um evento no Jardim Botânico do Rio.
Marina Silva também cobrou "sustentabilidade política para o licenciamento ambiental ser mantido" , a partir da mobilização popular em torno da pauta. Apesar da articulação que o governo, que é contra o projeto, vem fazendo, a ministra itiu que há dificuldades e que essa não foi a primeira derrota em um assunto estratégico. Na aprovação desta quarta, dois terços dos votos foram de parlamentares da base governista.
Como exemplo de "sustentabilidade política", a ministra citou a votação de uma Medida Provisória de 1995, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que alteraria de 80% para 50% o tamanho da Reserva Legal na Amazônia. A ministra, na época deputada federal, disse que o presidente desistiu da medida após intensa mobilização popular.
— Se o povo brasileiro fizer o mesmo processo, dando sustentabilidade política para os nossos deputados e deputados de que a sociedade brasileira não quer acabar com o licenciamento ambiental brasileiro, se a gente tiver uma grande mobilização da sociedade brasileiro, com certeza deputados e senadores se se sentirão mais confortáveis, porque a política precisa de indicadores da sociedade. E esse mesmo povo que se uniu para defender a democracia, tem que estar unido para defender os recursos hídricos, as florestas, os recursos naturais, as populações tradicionais — afirmou Marina, acrescentando que ministros e presidentes não "fazem tudo sozinhos".
A ministra participou, nesta quinta, de uma cerimônia em comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade, no Jardim Botânico, com o lançamento de ações para fortalecer e avançar na proteção dos biomas brasileiros.
Um dos anúncios foi o ree de R$ 11,2 bilhões do MMA para o Fundo Clima, gerido pelo BNDES para financiar ações de mitigação e adaptação climáticas no país, como projetos de restauração florestal e de prevenção contra tragédias.
Marina Silva afirmou que a defesa do licenciamento ambiental "é uma questão de ética, de bom senso e de ciência. Ela destacou que 70% do PIB na América do Sul e 50% do PIB do mundo dependem da biodiversidade.
— Nós estamos celebrando, continuamos em luta, mas também estamos de luto. Porque não tem como proteger biodiversidade se voltarmos para o tempo em que o licenciamento não existiu. O quanto nós não evitamos a destruição da biodiversidade com a lei do licenciamento? Quanto nós não evitamos de perda de nascente, de diminuição dos cursos d'água?
A ministra também afirmou que o projeto de flexibilização "pode ser um tiro no pé" para quem defende a sua aprovação, e citou o acordo com a União Europeia para a exportação de produtos como soja, carne, madeira, borracha, café e cacau. Segundo Marina, um dos pilares para o acordo foi a "política ambiental confiável" do Brasil, já que o bloco europeu vêm impondo sanções a produtores de commodities oriundos de áreas com alto desmatamento. Outra preocupação é a mensagem nas vésperas da COP30, complementou.
Segundo a ministra, se a flexibilização for de fato aprovada, os prejuízos serão imensuráveis. E uma das consequências fora da esfera ambiental que ela citou é a "massa de judicializações", pela acusação de inconstitucionalidade do projeto.
João Paulo Capobianco, Secretário-Executivo do MMA, explicou, ainda, que o relatório aprovado nesta quarta não foi o mesmo texto discutido pela equipe do ministério junto aos senadores quando iniciou-se o debate sobre o tema em 2023.
— Tínhamos um relatório que era razoável. Ocorre que quando se decidiu aprovar esse projeto não se conhecia mais qual seria o relatório. Aquele relatório que havia sido construído com a nossa participação não seria mais o relatório a ser apresentado, e nós não tínhamos conhecimento do relatório — disse Capobianco, sobre o momento que o projeto entrou em pauta na Comissão de Meio Ambiente. — E o relatório só foi disponibilizado depois, ou melhor, durante essa reunião e na sequência, em uma semana, o processo já entrou em discussão e na outra semana seguinte em votação.
Por causa do imbróglio, o ministério chegou a pedir a prorrogação do prazo, mas a Comissão de Meio Ambiente do Senado não acatou. Agora, na Câmara, a ministra Marina Silva disse que é possível ter, ao menos, tempo para debates e audiências públicas.
Politizar algo de natureza técnica
Em relação à emenda aprovada de última hora, proposta por David Alcolumbre, para simplificar ainda mais o licenciamento de "empreendimentos estratégicos", Marina Silva disse que há um risco de se "politizar algo de natureza técnica".
— O fato de ser um projeto estratégico não elimina os impactos ambientais. A realidade e a natureza não operam na nossa lógica humana de tempo e pressa. Então, nesse caso, é uma preocupação sim, até por politizar algo que é de natureza técnica — explicou a ministra, que destacou o problema de um presidente definir o que é ou não empreendimento estratégico. — Imagine se quem estivesse decidindo fosse o ex-presidente Jair Bolsonaro, o que ia para licença ou não. Para quem dizia que não ia criar um centímetro de Terra Indígena, e que estimulava a atividade totalmente inadequadas em áreas de preservação.
O projeto de flexibilização
A flexibilização do licenciamento ambiental foi aprovada nesta quarta no Senado e recebeu críticas de ambientalistas. Uma das principais mudanças na proposta substitui o licenciamento em três etapas por uma só licença.
Outra alteração prevê que, no lugar de um estudo de impacto ambiental, empreendedores poderão emitir uma licença por adesão de compromisso, que dispensa a necessidade de análise detalhada por parte dos órgãos ambientais — exceto as atividades de alto impacto ambiental.
Pelo novo texto, também a a valer a renovação automática das licenças ambientais de atividades consideradas de baixo ou médio potencial poluidor. Atualmente, empreendedores precisam revalidar periodicamente as suas licenças.